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Lealdade sem subserviência

Militar golpista não tem lugar no país; aqui quem manda é o povo

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo

A secular existência das Forças Armadas pode ser avaliada antes e depois do Ministério da Saúde, mais precisamente com e sem o general Eduardo Pazuello e seus assessores militares, entre eles o coronel Élcio Franco, secretário- executivo da pasta. Não tenho o direito de fazer juízo de valor a respeito da conduta do ex-ministro nas tratativas para compra da vacina Coronavac pelo triplo do preço, mesmo com o Brasil já tendo iniciado a campanha de vacinação com imunizantes conseguidos graças a uma parceria com o Instituto Butantan. O que sei é o que vem sendo dito por integrantes das CPI da Covid. Está anotado, por exemplo, que, paralelamente ao registro de 3 mil mortes das secretarias estaduais de Saúde, o ministro três estrelas recebia intermediários de laboratórios que não dispunham de vacinas para entregar.

E o negócio tinha nuances de Primeiro Mundo. Era da ordem de 30 milhões de doses da CoronaVac, produzida pela chinesa Sinovac. Para um militar da área de estratégia, o general de divisão Eduardo Pazuello não teve sequer o tirocínio de pedir aos também graduados subordinados para checar a idoneidade da empresa com a qual o governo faria negócios de intermediação de medicamentos pela vida. A World Brands Distribuição, com sede em Santa Catarina, está registrada em nome de um empresário condenado pela Justiça Federal de Itajaí por participar de conluio que fraudou documentos de importação de diferentes produtos. Isso ocorreu em 2014.

Para tristeza dos comandantes das Forças Armadas, na vasta lista de oficiais comandados por Pazuello estavam vários oficiais do Exército, Marinha e Aeronáutica. Como disse recentemente um amigo general, a direita liberal e conservadora pode conseguir o que a esquerda radical não conseguiu: descaracterizar e dividir as Forças Armadas. E está conseguindo. Enquanto o vice-presidente Hamilton Mourão fecha com as correntes democráticas do país e afirma que haverá eleições livres em 2022, segmentos retrógrados teimam em politizar e rachar os quartéis, inclusive com a conivência de cabeças pensantes e estreladas que dão expediente no Palácio do Planalto.

Desde a criação, há 373 anos, as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, Aeronáutica e Exército, sob a autoridade suprema do presidente da República, destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem, de acordo com o  artigo 142 da Carta Magna. Portanto, não podem e não devem ser usadas como mecanismo de ameaça a cidadãos que, por meio de votos soberanos e livres, querem mudar o status quo político do país. É bom que se diga que a subordinação ao presidente é sinônimo de lealdade, mas não significa subserviência, tampouco apoio a teses golpistas ou a investidas autoritárias.

Ao contrário do que já li e ouvi, acho que precisamos sim das Forças Armadas. É verdade que não vamos atacar ninguém e, aparentemente, não seremos atacados. Entretanto, temos a Amazônia e fronteiras que sofrem diuturnamente ameaças de aventureiros internos e externos. Posso até discordar, mas não critico os milhões de reais investidos em Mirages, caças suecos e porta-aviões para uso eventual. Podem ser aberrações, mas gastamos mais com coisas nada úteis. Por exemplo, o gasto com 513 deputados federais, 81 senadores, centenas de deputados estaduais e de vereadores incomoda muito mais. E o resultado? Infelizmente, essa pergunta normalmente fica sem resposta. Sobre as Forças Armadas, tudo pode ser justificável, menos ameaçar a democracia.

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