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Pérolas do capitão

Frases e pensamentos marcam ou torturam mandatários

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior*

Passada a “preocupação” com o desfile militar de terça-feira (10) pela esvaziada Esplanada dos Ministérios, relaxei e dormi o sono dos anjos. Na verdade, voltei a sonhar com os verdes campos de minha terra e acordei convencido de que as mudanças que esperamos há dois anos e meio estão cada vez mais próximas. São apenas dois ou três pulinhos até outubro de 2022. Despertei menos contrariado porque, logo após a leitura matinal dos sites informativos e de pelo menos um jornal impresso, percebi que o presidente da República conseguira romper um período de 24 horas sem atacar ou ameaçar ninguém. Entendi que as recentes críticas ao vice-presidente eleito Hamilton Mourão e aos irmãos de sua terceira (?) mulher (os cunhados) tinham sido apenas falta do que dizer. De imediato, lembrei duas citações inquestionáveis de um presidente norte-americano que o mundo não esquece.

Frasista por natureza, mister Abraham Lincoln sentia comichões quando atingido no que tinha de mais sensível: a razão. A coceira lembra o atual mandatário brasileiro. As diferenças são as distâncias abissais entre a inteligência e a soberba, a coerência e a necessidade de formular respostas que satisfaçam o ego agressivo dos apoiadores raiz e, sobretudo, a argumentação e a bisonhice. Um dos inspiradores da moderna democracia, Lincoln governou de março de 1861 a abril de 1865 em defesa da causa dos pobres, dos humildes, especialmente dos afro-americanos, emancipados por ele em 1863. Libertar os escravos, sob a ótica dos adversários, talvez tenha sido seu grande crime e razão maior do seu assassinato, em 14 de abril de 1865. A trajetória de Abraham Lincoln é riquíssima, mas é algo para outra oportunidade. Hoje, o que me interessa é a comparação de suas frases criativas e históricas com antigas e novas expressões cunhadas por imperadores, ditadores e presidentes do Brasil.

Entre dezenas de citações, elevo Lincoln à condição de mito pelas locuções. “À noite, quando começo a pensar nos meus defeitos, durmo imediatamente” e “Um pingo de mel pega mais moscas do que um galão de fel”. Qualquer semelhança é mera coincidência com a verborragia de nossos dias. Nesse contexto de frases históricas, não tive como fugir dos livros que contextualizam gestões de ex-líderes brasileiros. Lembro, por exemplo, do dia 9 de janeiro de 1822, quando D. Pedro I, príncipe regente, após pedido da população, decidiu ficar na Terra Brasilis. O episódio marcou o início de um processo que terminaria com a Independência do Brasil, em 7 de setembro do mesmo ano. “Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”. Quem nunca estudou e registrou uma de nossas mais célebres epígrafes?

Quase um século e meio depois, mais precisamente em 24 de agosto de 1954, o presidente Getúlio Dornelles Vargas, horas antes de cometer suicídio, deixou para o povo brasileiro uma Carta-Testamento, cuja frase mais lembrada é tão trágica como profética: “Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”. De concreto, o suicídio evitou um levante militar prometido desde 1930, quando militares de média e baixa patentes protestavam contra a chamada República Velha, regime político que se estendeu até a Revolução liderada por Vargas. O golpe acabou abortado com a posse do conservador Café Filho. A repercussão da morte de Getúlio, considerado “pai dos pobres”, mudou o status quo do líder, que passou de acusado à vítima, garantindo a popularidade do trabalhismo e do então PTB. O de hoje, comandado pelo ex-deputado Roberto Jefferson, hóspede de prisão por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, é uma piada de mau gosto.

O general João Baptista de Oliveira Figueiredo presidiu o Brasil de 15 de março de 1979 a 15 de março de 1985. Apesar de alguns rompantes, sempre será lembrado pela famosa frase pronunciada no dia de sua posse em que dizia que faria “deste país uma democracia”. Ainda está longe de ser grande, mas cumpriu a promessa, entregando a José Sarney uma nação livre. Sarney herdou um mandato, mas não passou desapercebido. Além do bordão “Brasileiros e brasileiras”, é autor de duas brilhantes citações: “Não me perdoam por ter chegado ao poder passando por cima do cadáver de Tancredo Neves” e “Governo é como violino: você toma com a esquerda e toca com a direita”. Collor assumiu. De pronto, assegurou que tinha “aquilo roxo”. Em seguida, jurou não ter “nenhuma outra expectativa a não ser terminar seu mandato”, mas, durante o processo de impeachment e, em 2006, na campanha para o Senado, depois de perceber que não se bastava, foi obrigado a novamente recorrer ao povo: “Minha gente! Não me deixem só! Eu preciso de vocês.”

Intelectual, Fernando Henrique Cardoso marcou posição ao cobrar do povo o fim do medo da globalização. “Temos de ter competência para nos inserir”, afirmou FHC, também autor de “Chega dessa república do nhem-nhem-nhem”. Para divulgar feitos positivos de sua administração, Luiz Inácio criou o enunciado “Nunca na história deste país” para abrir solenidades ou iniciar discursos e entrevistas autoelogiosas. Foi bom enquanto durou. Dilma será sempre lembrada pela locução: “A igualdade de oportunidades para homens e mulheres é um princípio essencial da democracia”. Sem tempo para comprovar o que disse, Michel Temer ainda conseguiu incluir em sua biografia uma grande mentira: “Fiz do Brasil um país em forte recuperação econômica”. Deixa pra lá, pois chegamos no que temos de pior em termos de declarações controversas.

Será que alguém terá dificuldade para identificar a autoria de algumas estultices pronunciadas nesses últimos dois ou três anos? As mais parvas pérolas são: “O erro da ditadura foi torturar e não matar”, “Eu jamais ia estuprar você porque você não merece”, “Não sou obrigado a gostar de ninguém”, “Gripezinha”, “País de maricas”, “Sem voto impresso não haverá eleição em 2022” e, por fim, “Caguei para a CPI. Não vou responder nada”. Não posso encerrar a narrativa sem lembrar um pensamento que diz: “Cada vez que você mente, mesmo uma pequena mentira inofensiva, existem forças que o empurram em direção ao fracasso”. No caminho inverso de um grande pensador, concluo esse texto até certo ponto escatológico afirmando que não é fazendo cagada que vamos adubar a vida. Como peixe morre pela boca, lembro que teremos sim eleições em 2022. E sem o voto impresso. Ponto final.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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