Saudades eternas
Lula (ainda) não é governo; então falar dele por quê?
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emVez por outra sou acusado supostamente por bolsonaristas de não escrever contra Luiz Inácio. A resposta é simples e rápida. Ele não é governo. Quando foi, falhou, pagou, está pagando e pagará pelo resto da vida por todos os eventuais erros cometidos como mandatário. E não importa que tenha sido inocentado pelas mãos do homem, mas precisamente por suas excelências de toga. Por algum tempo foi considerado culpado e, justa ou injustamente, cumpriu pena. Ponto final. Consequentemente, posso não agradar novamente, mas, se há alguma coisa para falar do ex-presidente, é sobre as pesquisas de intenção de votos. E, queiram ou não, elas são visível e amplamente favoráveis a ele.
Ainda é cedo para afirmar que dará Lula na cabeça em 2022. Entretanto, as ameaças às instituições e as bravatas de golpe são a prova inconteste de que há alguém apavorado com o crescimento das apostas no vermelho. Não tenho vínculos petistas desde o fim do primeiro governo de Luiz Inácio. Sem entrar no mérito, de lá para cá, cumprindo uma promessa pessoal, tenho votado em branco para presidente da República. Talvez não tenha razões lógicas para isso. Se for o caso, assumo a pecha de covarde, mas durmo o sono dos justos quando imagino discussões acaloradas sobre a qualidade administrativa ou a honestidade desse ou daquele governante. Posso estar errado – e estou -, mas uso meu direito constitucional do silêncio do voto.
Tenho me esquivado de votar, mas não escondo meu distanciamento ideológico do atual governante. Todavia, a antipatia pelo ocupante do Palácio do Planalto não significa necessariamente afeição pelo outro postulante. Registro, porém, que reconheço como honesto o desejo – quase uma obrigação – do ex-presidente em reparar as presumidas falhas pelas quais foi julgado e condenado. Por isso, devo mudar de ideia no ano que vem. Tenho o dever jornalístico de também reconhecer que nunca ouvi de um militante do PT algo do tipo nosso maior representante é acima de qualquer suspeita. Quero dizer que nunca na história deste país se tentou mumificar a trajetória de um líder de esquerda, tampouco mitificá-lo por coisa alguma.
Se isso não basta para justificar a ausência de Lula em minhas narrativas, lembro que, mesmo acusado de comunista, o ex-presidente será sempre lembrado pelo trabalho de recuperação do poder de compra das camadas menos aquinhoadas economicamente. Não foi bem um pai dos pobres, mas inegavelmente reduziu bastante a desigualdade entre as classes. Por exemplo, além do povão ter conseguido acesso à carne e ao frango diariamente, a empregada doméstica podia viajar de avião nas visitas aos parentes no Norte e Nordeste e, às vezes, arriscava uma esticada à Disney. Todos sabem que esse passeio nunca foi bem visto pelo ex-todo poderoso ministro da Economia, Paulo Guedes.
Em fevereiro de 2020, numa tentativa de justificar a disparada do dólar, ele entendeu que as empregadas tinham de se limitar a conhecer Cachoeiro do Itapemirim, “terra do Roberto Carlos”. Coisas da democracia bolsonarista. Guedes é o mesmo que nessa segunda-feira (23) afirmou que não há descontrole de preços e que inflação de 8% está “dentro do jogo”. O czar da economia parece viver em um país fictício. Talvez não circule por um supermercado há meses e certamente utiliza o automóvel institucional até para ir ao banheiro. Perdido em suas divagações, o ministro recomenda aos brasileiros mais confiança nas instituições. O senhor das finanças está realmente desplugado da realidade, pois ignora que quem não confia e desrespeita as instituições é justamente seu próprio chefe. Ou não é?
Voltando a meus acusadores, parece que estão todos saudosos de Luiz Inácio. De todo modo, quero lembrá-los que, assim como José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Itamar Franco, Dilma Rousseff e Michel Temer, Lula não é governo. Portanto, não está mais na memória do povo. Só para ilustrar, nem mesmo o amarelão norte-americano, que costumava responder pela alcunha de magnata, é mais lembrado pelo povo ou pela mídia. Nas pouquíssimas vezes em que isso ocorre, é sempre negativamente. Quem não esquece a maioria desse pessoal, incluindo nossos políticos (com ou sem poder), são os tribunais. Considerando que todos os governos são iguais, aguardem, pois amanhã, semana que vem ou em 2022 deve ser a vez do mito do califado sem noção. Quanto a Lula, não citá-lo com frequência não quer dizer tê-lo esquecido. Muito pelo contrário. Ele ainda não é governo.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978