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'Fraude explica'

Num beco sem saída, Bolsonaro perdeu o direito de errar

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior* - Foto de Arquivo

Sempre na contramão dos fatos, os bolsonaristas adoram ser contrários a tudo que é estabelecido por leis, normas e costumes. E não importa que eles sejam cidadãos comuns ou autoridades travestidas de parlamentares, militares, policiais ou ministros de Estado. Como se acham acima do bem e do mal, a autoavaliação é de que podem tudo, inclusive o que não podem. Acreditam na força das baionetas e dos canhões como forma de subjugar o povo. Também se imaginam superiores à massa e têm certeza – pelo menos tinham – de que ganharão o poder no grito ou com o apoio violento de duas dúzias de PMs amotinados, associados a mais quatro ou cinco dezenas de fanáticos adoecidos como o guru espiritual.

Curioso é a idolatria a quem vive para tensionar, não lidera, não governa e emite diariamente sinais absolutamente equivocados, o que, em qualquer família ou governo do mundo, representaria menos confiança no líder. O Brasil de hoje é um balaio de gatos, comandado pelos ratos que sangram, mas não morrem. Sem governo por conta da campanha eleitoral a que o presidente da República se embrenhou desde a posse, é o país desenhado há décadas por Carlito Maia, um dos publicitários mais criativos que já conheci. “Brasil? Fraude explica”. Ele morreu antes do tempo, mas com a certeza de que sua máxima, além de correta, seria confirmada bem antes que fosse mostrado à parcela do eleitorado que a Coca que “compraram” na verdade era Pepsi.

Uma das melhores e mais atuais frases de Carlito – talvez a mais profética – assegura que “Mineiro não fica louco…Piora”. Basta que se troque o gentílico por uma patente e tudo fica claro como um céu de brigadeiro. Também é a nação do Maluco Beleza Raul Seixas, para quem “A arte de ser louco é jamais cometer a loucura de ser um sujeito normal”. E o que dizer do jornalista Apparício Fenando de Brinkerhoff Torelly, também conhecido pelo falso título de nobreza de Barão de Itararé. Escritor e pioneiro no humorismo político brasileiro, ele cunhou, entre outras pérolas, a tese de que “não é triste mudar de ideias. Triste é não ter ideias para mudar”.

No Brasil de nossos tempos e onde a loucura e a corda estão bem acima dos limites do bom senso, tudo pode acontecer a qualquer momento, inclusive nada além do que o planeta inteiro já sabe. As coisas mudaram, mas continuam as mesmas. Por aqui, nem os livros são mais sinceros. Para a turma comandada pelo astrólogo Olavo de Carvalho, tampouco as pesquisas devem ser levadas a sério, principalmente aquelas que mostram Jair Messias Bolsonaro sendo derrotado por todos os oponentes. Acostumados a dizer que a turma de apoiadores do mito era farinha de outro saco, numa alusão àqueles a quem chamam de ladrões, os líderes do clã Bolsonaro viram implodir o discurso de probidade e honestidade logo nos primeiros depoimentos à CPI da Covid.

A parecência ficou absolutamente clara com os últimos testemunhos à comissão de inquérito. Até mesmo o golpe, considerado favas contadas, deu errado. Impedido de explodir quartéis e de invadir instituições públicas, entre elas o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, o presidente da República teve todas as chances para mostrar condições de governar. Errou tanto que perdeu o direito de errar. Virou chacota mundial. Está sem saída. Após ser impedido de circular livremente pelos restaurantes de Nova York, resolveu fazer um PCR para mostrar durante as comemorações dos 1.000 dias de governo. Acertou no resultado, mas novamente foi lembrado como fracassado. Para um dos sites políticos mais ácidos de Brasília, o período é tão ruim que “nem o teste de Covid de Bolsonaro é positivo”.

Concordo com a afirmação de que nenhum dos últimos governantes brasileiros se salvaria das profundezas do purgatório. Também não discordo da assertiva de que o atual é o pior que já tivemos. E não é culpa exclusiva da pandemia. Faltou conhecimento, vontade, sabedoria, paciência, jogo de cintura, parcerias e bons quadros até para, como diz um amigo, exercer o comando de um time de futebol de botão. Passados dois anos e oito meses de governo, não é exagero dizer que faltou – e falta – tudo. Em síntese, o moço não é do ramo. Paciência. Procuremos outro. Está provado que o populismo vive de arrumar inimigos para justificar seu fiasco. A vida mostra que o destino não é uma questão de sorte, mas de escolha. E não temos muitas. Então, não permitamos que o passado tenha poder sobre o presente. Para quem sabe ler, um pingo é letra.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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