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Pesos sem medidas

No (des)governo de Bolsonaro, mentira pouca é bobagem

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior* - Foto de Arquivo

Originária da Bíblia, a expressão popular é utilizada para indicar um ato injusto e desonesto, algo feito de forma parcial. De modo proverbial, estabelece que pesos adulterados e medidas falsificadas são desonestidades abomináveis. Aplicá-la ao governo Jair Bolsonaro pode soar como alguma coisa ainda mais desonesta, na medida em que a administração capitaneada pelo mito não tem medida, mas, às vezes, busca vários pesos para justificar seus próprios interesses. É o caso do esvaziado ministro da Economia, Paulo Guedes, interessadíssimo em estourar o teto de gastos para tentar alavancar a candidatura do chefe à sucessão, o que pode ser uma garantia de manutenção do próprio emprego. A proposta é a implementação do Auxílio Brasil para atender os pobres e do “auxílio diesel” para caminhoneiros, ambos de R$ 400,00

Independentemente da desmedida ultrapassagem do teto, são dois grandes equívocos o presidente da República e seu czar econômico acharem que o Congresso aprova essas aberrações com a rapidez desejada e que, em aprovando, conseguem transferir votos com a facilidade imaginada. E as razões que justificam os equívocos são pra lá de conhecidas. A primeira delas é que certamente em algum momento a Justiça Eleitoral vai entender as iniciativas como propaganda antecipada. Depois, faz parte do jogo político-econômico a indicação de custeio para os dois benefícios. Por fim, o mais grave é entender como normal a “licença” para gastar acima do permitido pela lei.

Ao defender o estouro do teto de gastos como forma de garantir a implementação de programas sociais do governo, o presidente da República na verdade escancara as portas para os abusos de gatos e ratos. Na patética avaliação de Guedes, é uma decisão política muito complicada entre as tantas difíceis que seu líder é obrigado a tomar para evitar que 17 milhões de famílias brasileiras passem fome. Fosse de coração, a proposta seria uma repentina mudança de rumo, talvez uma belíssima reviravolta na conduta de quem nunca se preocupou com os menos favorecidos. A (des) preocupação ficou absolutamente clara quando o governo foi obrigado a unificar o discurso contra a pandemia e, muito pior, contra a vacinação.

À época, avaliaram como desnecessário gastar com uma “gripezinha” que poderia alcançar, no máximo, meia dúzia de “maricas”. Infelizmente, já matou 606 mil brasileiros. Como evitar que os menos fanáticos não tenham certeza de que Bolsonaro e Paulo Guedes fazem pouco caso da inteligência da maioria? Difícil, pois é fácil lembrar que a fome bate à porta desses 17 milhões de patrícios há quase dois anos, mais precisamente desde a pandemia negada à exaustão pelo governo. Mais infantil do que a mentira deslavada é a prosaica tentativa do próprio presidente de escantear o populismo das medidas e não assumir que os programas sociais são sua derradeira chance de buscar a reeleição.

Usando justificativa textual do ocupante do Palácio do Planalto e do comandante da nau econômica, não há dúvida de que é obrigação do Poder Executivo cuidar dos mais vulneráveis, sobretudo num momento de grave crise por conta da Covid. Baseado no antigo discurso de que o vírus era uma invenção chinesa e o caos havia sido gerado pelo Supremo Tribunal, governadores e prefeitos, cansativo demais saber o que mudou na cabeça do rei e do seu eunuco desde março de 2020, quando a crise se instalou exatamente com a descoberta do vírus. Os tempos são de redenção ou de certeza de que o Brasil é um país de ficção? Ou das verdades convenientes? Quem sabe da mentirada de mentirinha. O resumo da ópera é que, para Jair Messias e Paulo Guedes, mentira pouca é bobagem.

Tudo isso explica os dois pesos da conduta do titular da pasta da Economia. Ele é o mesmo ministro que, em outubro do ano passado, quando já se discutia o financiamento do novo programa social do governo, disse que furar o teto de gastos para ganhar eleições seria uma irresponsabilidade com as futuras gerações. E hoje? Guedes não disse, mas a possibilidade concreta de ficar sem emprego e sem prestígio me faz crer que sua tese atual tem tudo a ver com o que vivemos: as novas e futuras gerações que se danem. A vontade era usar aquele verbo proibido. Usei este para não sofrer censura do recém-beatificado editor.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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