Ideologização do vírus
Fanatismo da fé cega não admite as explicações nem da Ciência
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emOs números estão menores e nos dão a impressão de que a pandemia fez água e tudo já voltou ao normal. Parece que sim, mas ainda não. Informações não confirmadas dão conta de que boa parte das pessoas que continuam ocupando leitos destinados a pacientes com Covid pertence ao grupo que optou pelos medicamentos ineficazes e manteve a radicalização contra as doses de imunizantes. Os que não morreram, convivem com as malditas sequelas ou permanecem lotando a rede hospitalar pública. Se forem verdadeiros, os dados comprovam a transformação do governo em seita e revelam pelo menos dois outros absurdos do mundo moderno: a ignorância e a aposta em um deus criado pelo fanatismo exageradamente ideológico de meia dúzia de lunáticos.
Não há outra definição lógica para explicar esse adesismo cego e abusivo. É algo abominável ideologizar a doença e dividir a população entre vacinados e não vacinados. Pior ainda é perpetuar a indicação da cloroquina, hidroxicloroquina ou ivermectina como salvação para um mal que vitimou mais de 5 milhões de seres humanos, alguns habitando países ricos e muito mais aculturados do que o Brasil. Pelo menos os usuários desses remédios ficaram livres de outro vírus incômodo para a população brasileira deste século e do século passado: o dos vermes. Foi uma questão de opção. Assim como na vida, o acúmulo de conhecimento é que vai formatar nossa sabedoria. É aquela velha máxima de São Tomás de Aquino: “Para quem tem fé, explicação não é necessária. Para quem não tem fé, explicação alguma é suficiente”.
A não ser em Deus, a fé cega do fanatismo às vezes amola a faca da desgraça. No caso da Covid, em nome de uma ideologia tacanha, boa parte da população ainda não se vacinou ou não concluiu o regime da imunização. Por exemplo, números oficiais revelam que metade dos habitantes do Distrito Federal continua sem vacina. Escolha ou necessidade? Não importa. Importante é que a irresponsabilidade desse povo resulta no aumento da circulação do vírus e, pior, pode facilitar o surgimento de uma nova variante. É o mesmo povo que, atendendo a flexibilização anunciada pelo governo local, está 100% nas escolas, deixou de usar máscara em locais abertos e voltou a frequentar bares e clubes sem o necessário distanciamento.
A politização do vírus continua em cartaz nos principais palcos dos horrores. Isso quer dizer que, como o bom senso deixou de existir, a ciência lamenta e o vírus agradece. Temos de comemorar a redução do número de óbitos. No entanto, ainda é cedo para esquecermos que o problema da Covid-19 não é apenas tratar da infecção em casa. Muito mais grave é precisar de atendimento hospitalar. Se o vírus permanece circulando e milhões de brasileiros carecem de imunização, natural que as autoridades sanitárias criem a expectativa de aumento do percentual de doentes graves. Voltar a superlotar hospitais por conta da ignorância alheia é mais do que absurdo. É um crime silencioso. Não se vacinar deveria ser uma decisão de foro íntimo.
No Brasil, infelizmente é filosófica, pois a prática é para atender ao chamamento de um mito que derrete mesmo escondido. O crime está no fato de atingir deliberadamente outras pessoas. Então, se a carapuça lhe serve e se lhe falta amor, caridade e fraternidade, pelo menos tenha respeito pela vida alheia. Desembarque do Lindo Balão Azul, deixe o mundo da lua e tente convencer o presidente da República de que o brasileiro precisa é de apoio, governo e comando e não de medos. Hoje, quase três anos após o início do período bozolítico e depois de 610 mil mortes pela Covid-19, o país mudou muito pouco. Além dos que optam por matar ou morrer, o mamão permanece como a fruta mais consumida pela maioria do povo, que faz tempo está com uma mão na frente e uma mão atrás.