Desejo de poder
Mundo teve tiranos coerentes e o Brasil aprendiz de feiticeiro
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emQuatro figuras da política mundial estarão para sempre na memória dos terráqueos dos séculos 20 e 21. Em comum, todos tinham – ou têm – veias ditatoriais. Três passaram para a história e foram amados ou odiados pelo que fizeram. Apesar de ele mesmo achar o contrário, o quarto dificilmente estará nos livros. Se um dia for incluído em algum desses almanaques de farmácia, será pelo que não fez. Talvez por tudo que não fez. Quem sabe por tudo que fez de errado. E não foi pouca coisa. Diria que sua obra mais importante foi enganar com discursos típicos de candidato a síndico de cabeças de porco (moradias coletivas e insalubres) alguns milhares de ditadores travestidos de patriotas.
Meus protagonistas de hoje são o austríaco Adolf Hitler, o italiano Benito Mussolini e os brasileiros Getúlio Vargas e Jair Bolsonaro. Um dos grandes nomes do século XX e da história, Hitler foi o maior expoente do nazismo e o responsável por um regime de terror que levou o planeta à Segunda Guerra Mundial e fez seu país por adoção, a Alemanha, a realizar o holocausto. Cabo do Exército alemão, Hitler cresceu com os acontecimentos da Alemanha no pós-Primeira Guerra. Além da derrota, o conflito resultou em quebradeira econômica e em humilhação pública, gerando um forte ressentimento na sociedade alemã. Mesmo com patente pequena, ele soube usar a seu favor o caos e a baixa estima do povo.
Com retórica nacionalista, antissemita e antimarxista, associada ao poder de convencimento e a uma oratória de fazer inveja, o ditador transformou-se rapidamente em sucesso nacional. Governou despoticamente a Alemanha de 1938 a 1945. Com a derrota, se matou. Nada mais do que sargento, Benito Andrea Mussolini foi o líder máximo (o Dulce) da Itália entre 1922 e 1943. Primeiro ideólogo totalitário da Europa a chegar ao poder máximo, foi o líder do fascismo local. Defensor da tese do totalitarismo, pregava um governo centralizado, sem partidos políticos, eleições ou parlamento. Ex-comunista, tornou-se contrário às ideias socialistas, liberais e democráticas. Apareceu bem para o mundo e para a Itália após a Primeira Guerra Mundial.
Também bom de discurso, simbolizou a força da união, seguindo a metáfora de que um galho sozinho pode ser quebrado, mas unidos tornam-se mais resistentes. Mussolini resgatou esse símbolo ao fundar, em 1921, o Partido Nacional Fascista. A marca era justamente o feixe de lenha com um machado, tendo como pano de fundo as cores da bandeira italiana. Foi morto pelos revoltados patrícios e dependurado em praça pública de cabeça para baixo. Denominado o pais dos pobres, o gaúcho Getúlio Vargas “reinou” em duas oportunidades: de 1934 a 1945 e de 1951 a 1954. Com rápida incursão pelo Exército, onde alcançou o posto de segundo sargento, e igualmente de caráter centralizador e autoritário, Getúlio Dornelles Vargas enfraqueceu as oligarquias e bancou a Constituição de 1937, responsável pela supressão da liberdade partidária, a independência entre os poderes e o federalismo.
Levou o Brasil a passar por profundas transformações econômicas durante suas presidências. A Petrobras e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) fazem parte dessa lista. Em seu período constitucional, Getúlio foi acossado por ferrenhas campanhas de descrédito. Tirou a vida e passou para a história em 5 de agosto de 1954. Se matou em seu quarto no Palácio do Catete, hoje Museu da República, no bairro carioca do Catete. Quase sete décadas depois, chegamos ao capitão Jair Bolsonaro, o 38º presidente do Brasil. Seu mandato se encerra em pouco mais de um ano. Com algum sacrifício matemático, no futuro alguém deverá emoldurar suas realizações. Provavelmente elas caberão em um quarto de uma folha de papel A4. Nada mais.
Os três quartos restantes ficarão para as investidas contra as instituições e as ameaças a quem não vestia verde e amarelo, aos ministros do STF e aos comunistas, ideologia política sobre a qual ele e apoiadores não têm conhecimento algum. Conjugam o movimento filosófico, social e econômico como verbo transitivo direto, mas com nuances de pretérito imperfeito do subjuntivo conjugado. Ou seja, não sabem o que o comunismo significa. Fora a inteligência, é claro, Hitler, Mussolini, Vargas e Bolsonaro seriam aliados no desejo perpétuo de poder, na grosseria gratuita, no desrespeito aos iguais e na violência no trato com as pessoas, inclusive com os seus.
Capatazes e adoradores da própria imagem e de confrontos, também tinham em comum a patente de iniciantes. Apesar dos numerosos pesares, Hitler, Mussolini e Vargas foram importantes em suas épocas, cada um a seu modo. E o que dizer do aprendiz de feiticeiro Jair Messias, o Mussolini tropical? Nada. Pelo menos até agora. Será que algum prefeito ou governador terá no futuro coragem de batizar uma escola, posto de saúde ou hospital com o nome do presidente Jair Bolsonaro? Acho difícil. Talvez um nosocômio inacabado de subúrbio. É esperar para ver.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978