Novo fato antigo
Facada velha não elege nem síndico de condomínio falido
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emApós longos e nababescos dias de férias jetskiando e zombando dos náufragos da Bahia, o presidente Jair Bolsonaro mais uma vez usou a facada ou o que sobrou dela para se vitimizar e tentar convencer o povo brasileiro de que o excesso de “trabalho” lhe permitiu o desafiador descanso no litoral de Florianópolis. Claro que qualquer trabalhador merece uma semana ou um mês de lazer depois de um ano no perrengue. Perdoem-me o sincericídio, mas não é o caso do chefe do Executivo federal, do mito de duas dúzias e meia de eleitores. Em campanha desde o primeiro dia do mandato de faz de conta, ele ainda não governou. Portanto, como ele finge que trabalha, as folgas por conta do Erário acabaram imerecidas.
Pior do que o indevido recesso foram os excessos. Entre pescarias, visitas a parques temáticos, estímulo a aglomerações, encontros com deputados com Covid (Coronel Armando, do PSL catarinense) e passeios diários de jet ski, boa parte do povo baiano vivia um drama decorrente das enchentes no estado. Alheio ao sofrimento e à obstrução do cotidiano da baianidade, o presidente chegou a dizer que não anteciparia o fim do recesso. Mudou de ideia depois da série de críticas de adversários e correligionários. Decidiu voltar, mas, voluntária ou involuntariamente ficou pelo caminho, mais especificamente em São Paulo, onde se internou para continuar politizando a facada até hoje não explicada devidamente.
Determinante para o resultado da eleição presidencial de 2018, a facada no então candidato do PSL até hoje povoa o imaginário fértil de milhões de brasileiros. São eleitores sentimentalistas que momentaneamente perderam a razão e optaram pelo coração em lugar da razão. Considerando o passado político-pessoal do protagonista, nada de anormal no fanatismo em torno da figura que, sabe-se lá como, se apossou da mente vazia de 51.453.456 de brasileiros. A verdade é que o caso nunca foi investigado como deveria e Bolsonaro acabou eleito como o coitado da história. Transformou-se em mito e o resultado foi o esperado. Nada de produtivo para a economia, consequentemente tudo de ruim para o povo.
Difícil avaliar como fake news uma aberração dessas. Entretanto, nada mais importante do que uma investigação para dissipar quaisquer dúvidas sobre o atentado de 6 de setembro, cometido por Adélio Bispo de Oliveira, que, à época, citou teorias de conspiração política e disse ter agido a mando de Deus. Ele foi preso em flagrante pela Polícia Federal e conduzido à delegacia central de Juiz de Fora, local do ocorrido. Após a investigação, a PF concluiu que Adélio agiu sozinho no crime, sem ser orientado por um mandante.
Desinformados, alguns bolsonaristas chegaram a afirmar que o PT estava por trás da balbúrdia. Quem sabe um petista enlouquecido para criar um fato novo para o então deputado federal, que não tinha nenhum. Em junho de 2019, a prisão preventiva de Adélio foi convertida em internação por tempo indeterminado na penitenciária federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. A faca utilizada no atentado foi coletada pela Polícia Federal e, dizem, está em exposição no museu da corporação em Brasília. De concreto, além da eterna vitimização, o ataque rendeu ao presidente três lesões no intestino delgado, uma em uma veia do abdômen e quatro cirurgias para corrigir os danos.
Depois da repentina internação, a alta hospitalar foi precedida do anúncio de reabertura do inquérito. A “continuidade” do processo voltará ao estágio inicial: saber se Adélio contou com a ajuda de terceiros ou agiu a mando de alguém. Perdão mais uma vez, mas a desesperada insistência tem por objetivo exclusivamente criar um novo fato velho. Investigar mais o quê? Se a ideia é manter o “atentado” na mídia, cuidado pois a tal facada já gerou obstruções muito além do permitido. Infelizmente o apego desmedido ao poder levou o Brasil e os brasileiros a furos irrecuperáveis. Felizmente coisas desse tipo não elegem mais nem síndico de condomínio inacabado.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978