Dúvida cruel
Para um Brasil melhor, não basta trocar um extremo por outro
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emAs convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras. Como um bom churrasco de frango com farofa, elas (as convicções) são inapagáveis e indestrutíveis, principalmente quando pintadas por seres que se acham invioláveis, acima do bem e do mal e, sobretudo, mitificados pelo humilhante fanatismo de pessoas que até bem pouco tempo se achavam inteligentes. Ao participar nessa quarta-feira (2) da abertura dos trabalhos legislativos de 2022, o presidente da República novamente praticou um de seus esportes prediletos: mentir publicamente sobre verdades que o Brasil e o planeta conhecem bem. Sem necessidade do óleo de peroba, Jair Bolsonaro invocou a Lei de Imprensa para alfinetar seus dois principais oponentes políticos: Luiz Inácio e o Tribunal Superior Eleitoral.
Com nome e sobrenome, o primeiro atacado responde por números que têm tirado o sono do candidato do partido de Valdemar Costa Neto à Presidência. Em todas as pesquisas de intenção de votos, a diferença beira os 20%. Pode não ser nada, como afirmam as viúvas bolsonaristas, mas são dezenas de milhares de eleitores de saco cheio das lorotas contadas de forma tão melancólicas como aquelas novelas mexicanas que nem O SBT consegue retransmitir. Infelizmente, não deixa de ser verdade a forma como Lula da Silva foi lembrado. Afinal, em algum momento de seu governo, ele realmente tentou emparedar a mídia. Por pouco não conseguiu. Pior é que, caso seja eleito, tentará de novo censurar os meios de comunicação. Mais uma vez não conseguirá. Como agora, o povo saberá reagir.
O problema é que, como falta veracidade, a verdade dita por Bolsonaro acaba soando com a mais singela falsidade. É o caso da narrativa. Da tribuna do Congresso, pouco usada em seus tempos de parlamentar, o mandatário disse com todas as letras e vírgulas que a “nossa liberdade, a liberdade de imprensa garantida em nossa Constituição não pode ser violada ou arranhada por quem quer que seja neste país”. Não fosse a falta do que dizer, diria tratar-se de uma blasfêmia. Me defenda, meu Deus que está acima de todos nesse Brasil acima de tudo. Logo ele? Justamente ele o responsável pelos maiores e mais covardes ataques ao jornalismo e a jornalistas brasileiros. Pelo menos Lula, que de santo tem muito pouco, ficou e ficará só na ameaça.
O segundo alvo do presidente foi a Justiça Eleitoral, criticada por conta da possibilidade real de o TSE regulamentar o uso da internet nas eleições, acabando com a farra das fake news, utilizadas pela militância bozolítica para disseminar inverdades. A preocupação também tem nome e sobrenome, mas não tem endereço. Refiro-me ao aplicativo Telegram, baseado em Dubai e que certamente será usado por Bolsonaro e marqueteiros para articular seus apoiadores nas próximas eleições. Entre as probabilidades criticadas pela turma do cercadinho, uma prevê o banimento da plataforma como mecanismo de combate às fakes no pleito presidencial. Por enquanto, nada de concreto. Apenas contrainformações, desconfianças e recados de um lado e de outro.
Tudo bem que discursos políticos e propostas sem nexo costumam sair na urina dos ouvintes e dos eleitores sérios. Num mundo onde mentiras são regras, falar verdades mentirosas é um ato de provocação. E essa máxima se aplica tanto a um quanto a outro potencial candidato. Cuidado com a mentira, pois basta que uma seja descoberta para que toda a confiança fique abalada. Demonizar a imprensa não resolve problemas de sanidade, tampouco de honestidade de qualquer governo ou governante. É a velha e batida história de Pompeia Sula, a mulher de César. Ouvir Bolsonaro dizer que defende a imprensa dos ataques de Lula é uma balela sem grandeza alguma. Ler que Lula repensa uma tentativa digna de governos ditatoriais é chamar para si, antecipadamente, o ódio de quem, ainda que por falta de opção, o quer admirar. Assim caminha a humanidade, mas, ao fim e ao cabo, em quem acreditar?
Raivoso, criminoso ou supostamente em defesa da honra, a verdade é que as ameaças à imprensa, veladas ou claras, são apenas a ponta de um iceberg de dúvidas que cercam os dois principais candidatos. Minha decisão a respeito do candidato a ser votado está tomada. Desejo mudanças e já. A dúvida cruel é sobre a possibilidade de trocar um extremo por outro. O Brasil de hoje não comporta mais isso. O risco é iminente, mas vale a pena tentar. Pelo menos acredito não haver dúvidas em relação à democracia em caso de vitória do postulante que voltou à ribalta prioritariamente por conta de lampejos negacionistas e golpistas. Oxalá estejamos certos.