Fake da imbecilidade
Bolsonaro faz viagem aviltante de amador a mundo de espertos
Publicado
emEmbora as paredes, os lustres e os ácaros da Casa Branca, do Kremlin, do Bundeskanzleramt (Alemanha), do Downing Street (Inglaterra), do Palais de L’Élysée (França) e até do Planalto soubessem que invadir a Ucrânia não passou de bravata econômica de Vladimir Putin, o capitão Jair Bolsonaro se investiu de sua armadura de negociador de coisa alguma e partiu para Moscou em busca de um lugar ao sol. Mentor do negacionismo contra a Covid-19 e crítico da vacina, foi obrigado a usar máscaras imediatamente após pisar o solo russo, passou por seguidos testes, rápida quarentena e ainda teve de se render à chamada bolha de Covid do Kremlin, espécie de blindagem do presidente da Rússia, que já recebeu três doses do imunizante Sptunik 5.
Sem muita delongas, não poderia ser considerada séria uma viagem cujo resultado prático será, fora da Rússia, o completo isolamento do país governado por Bolsonaro. Viramos deboche e memes externos recheados de verdades e outros domésticos com grau zero de inteligência. Ou seja, jogamos no lixo séculos de amizades consolidadas entre brasileiros e povos dos quatro cantos do planeta, nos desfizemos de décadas de conquistas internacionais e nos esquecemos que, ao longo de administrações mais sérias e comprometidas, fomos muito mais bajulados do que bajulamos. Eram tempos em que o Brasil dispunha de presidentes e chanceleres profissionais. Não havia espaço para bazófias, afetações, estultices ou pantomimas solo e com coro golpista.
O amadorismo do atual governo chega a ser tacanho, pobre de espírito, comum a chefes de nações provincianas de um mundo ainda inóspito. É demais aceitar que um líder que se acha mito pague um mico desse porte. Não tenho registro, por exemplo, de um presidente do Brasil, considerado a oitava (?) economia do mundo, ser recebido por um “colega” e ser impedido de entrar no salão com seu chanceler, embaixador acreditado no país visitado ou parte de sua comitiva. Bolsonaro foi. Malandro como ele só e sabedor que o visitante não entende de língua, Putin permitiu apenas a presença de um intérprete. Nada mais. Por isso, natural que o Itamaraty tenha se preocupado com a possibilidade de algum acordo danoso para Terra Brasilis, um dos membros do agrupamento denominado Brics, também integrado por Rússia, Índia, China e África do Sul.
Imagino que, para um mandatário que adora xingar petistas de comunas, o melhor momento da visita foi depositar flores em túmulo de soldado comunista. Como peixe morre pela boca, fez lá o que tem medo de fazer aqui. Putin obviamente não está (ou estava) brincando de guerra com a Ucrânia, tampouco Estados Unidos e as potências europeias gracejando quando anunciaram severas sanções econômicas ao mandatário russo no caso de a invasão se consumar. Não cabem brincadeiras numa situação caótica como essa. Pelo menos não deveria caber. Entretanto, impossível impedir manifestações do povo do gueto bolsonarista. O amadorismo de integrantes e ex-integrantes do governo ficou claro com a fake news em forma de post divulgada pelo ex-ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, de péssima lembrança para os defensores da manutenção da Amazônia como zona verde a ser preservada a qualquer preço.
No tal post, divulgado na tarde de terça-feira (15), Salles, autor da proposta sugerindo aproveitar a preocupação da sociedade e da imprensa com a mortandade decorrente da Covid-19 para “passar a boiada”, informou que a chegada de Jair Bolsonaro a Moscou havia impedido uma nova guerra mundial. A reação negativa gerou uma retratação do ex-ministro que fez pouco caso do meio ambiente. Ironicamente, disse tratar-se de uma brincadeira, que as pessoas estão sem senso de humor e que a polêmica é uma imbecilidade. Pode ser. Com o humor nas alturas, entendo que seria um desaforo com os imbecis devolver a adjetivação ao ex-ministro, cujo ostracismo é comemorado até mesmo por bolsonaristas raiz. O morto-vivo Ricardo Salles poderia ter usado as redes sociais para pedir ao ex-chefe uma palavra de conforto aos familiares das vítimas da tragédia de Petrópolis. Para eles, é um probleminha de somenos importância.
A conclusão sobre essa sinistra ida de Bolsonaro a Moscou é simples: sem propostas, projetos, ideias ou ações concretas de governo, o presidente da República busca a reeleição se valendo de velhas, sórdidas, desprezíveis e nauseabundas táticas políticas para ganhar de Luiz Inácio, seu principal oponente, hoje com pelo menos 10% de vantagem nas pesquisas de intenção de votos. Além de recorrer ao velho amigo Vladimir Putin, que tem horror da Ucrânia na Otan, esse tipo de conduta foi elevada à nonagésima potência com o retorno do suposto atentado a faca contra o então candidato em 6 de setembro de 2018. Autor do golpe, Adélio Bispo é sempre lembrado nos momentos de crise como esse da derrota anunciada.
Depois da farofada com frango nas ruas de Brasília e de uma viagem tresloucada, o chamado Gabinete do Ódio novamente recorre ao episódio para tentar cacifar uma candidatura cada vez mais próxima do naufrágio. A ordem é investir maciçamente em fake news a respeito do assunto, de modo a manter acesos o fervor e o engajamento da militância bolsonarista. Vale registrar que amor sem limites ao mito, também conhecido como fanatismo, deixou de ser a solucionática para a problemática da crescente falta de votos. E contra a fuga de eleitores não há antídoto. Nem mesmo mentiras em série conseguirão estancar a inversão do ódio disseminado há anos pela trupe bozolítica. Em hipotética mensagem ao povo brasileiro, Putin pede que o eleitor seja tão profissional em outubro como ele tem sido nesse imbróglio contra ucranianos, norte-americanos e europeus.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978