Rir é resistir
Resistência ucraniana é modelo a seguir contra putinização do Brasil
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emBolsonaristas que exalam golpismo por todos os poros anunciam aos quatro ventos que, caso vença a eleição de outubro, Luiz Inácio não tomará posse. Ou seja, na hipótese remota e desastrosa, a eleição de outubro só poderá ser vencida pela grife Jair Messias Bolsonaro. Não é difícil descrever a preocupação dos milhões de bolsonaristas que temem a melancolia do ostracismo político-ideológico, mas adianto uma indagação feita há meses pelas torcidas do Flamengo e do Corinthians: Quem irá impedir? O Putin dos trópicos? Certamente ele tentará, mas, para conseguir êxito, terá de combinar com os russos. Tarefa complicada, considerando que os camaradas de vermelho estão assoberbados na busca de justificativas para explicar a invasão maquiavélica e até rocambolesca da Ucrânia.
E não adianta agradar o milionário tirano das neves divulgando, via rede do cercadinho, que o Brasil ignora o sofrimento da resistente população ucraniana. Antes de ameaçar, a turba da direita sem rumo bem que poderia sugerir ao mito que comece a governar. Não há mais tempo a perder com hesitações que nos isolam e cada vez mais comprometem o presente e o futuro de nossa sofrida e ordeira gente. O prazo de recuperação é exíguo e, pelo andar da carruagem, dia a dia fica mais complicado encontrar um artista capaz de esculpir um discurso convincente e que consiga mostrar ao povo votante que a estultice administrativa acabou. Improvável, na medida em que, após três anos de muito blá blá blá, xingamentos generalizados e pouca produtividade, o brasileiro que realmente veste verde e amarelo se cansou de tantas mazelas e de abusos do poder.
O resultado prático é que a maioria passou a abominar a forma de governar do capitão presidente. E não há como esquecer que, por razões diversas, muitos desses foram seus eleitores em 2018. O fato é que, dentro dos tantos brasis que temos neste país, um tem chamado atenção pela previsibilidade do amanhã. Acordemos. Ou deixamos o amadorismo do golpismo e o atraso para trás e pensamos como nação verdadeiramente democrática ou entregamos os pontos. Isso significará passar o bastão àqueles que sabidamente querem putinizar um rincão que dificilmente será absolutamente nosso enquanto pensarmos como tribos sujeitas ao comando de senhores feudais, desprovidos de qualquer senso de humanidade e que não têm medo de prestar solidariedade pública a ditadores sanguinários.
Não nos intimidemos com ameaças. O modelo de união da massa ucraniana deve ser seguido. Se for da vontade da metade mais um dos cerca de 150 milhões eleitores, que seja eleito um comediante, um juiz enganador, um transgressor, um almofadinha, uma nova mulher ou até mesmo um criador de casos. O que não se pode permitir é a reeleição de um déspota travestido de cidadão acima de qualquer suspeita. Como o voto é livre, particularmente antecipo que fecho com a corretora sexual das moças da Vila Mimosa, mas não adiro à suposta correção do desbravador de coisa alguma. Em outras palavras, se não houver opção, voto no porteiro da casa de lenocínio ou em um comediante corajoso como o ucraniano Volodymyr Zelensky, que, se não governou, ficará para sempre na história por ter peitado os irmãos siameses Vladimir Putin e Jair Bolsonaro.
Nada pessoal. É apenas uma questão de animosidade nacional. Independentemente dos números especulados pelos institutos de pesquisa, é fundamental que, em outubro, mostremos que é mais importante prestarmos atenção na floresta inteira do que na própria árvore. Se imaginamos um Brasil plural para as próximas décadas, não devemos olvidar que foram os votos brancos e nulos que levaram a oitava economia do mundo (?) à situação análoga de um avião de passageiros pilotado por cegos. Tenho observado em minhas consultas informais que, mais rápido do que se imaginava, o ódio e a prepotência semeados pela criatura têm mudado de lado.
O que antes parecia impossível hoje, a pouco menos de um ano da eleição, é mais do que imaginável. Mesmo sem saber o significado do termo, quem nos odiava como comunistas hoje experimenta o ódio do apoio à tirania. Aproveitemos o cancelamento do segundo carnaval e iniciemos o ano como se fosse um recomeço, uma virada de página. Na ausência do sentinela de cabaré e na falta do macaco Tião, por que também não pensarmos em um comediante da política? Claro que devemos alijar aqueles que só pensam em si e não se preocupam com a alegria do povo. Talvez consigamos encontrar um candidato que pense no país com seriedade e nos faça dar prazerosas gargalhadas. E não importa que sobre ele pairem dúvidas inquestionáveis. Afinal, rir é um ato de resistência.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978