Nem um, nem outro
Três anos e três meses sem corrupção vale Oscar da ficção
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emMesmo sem aptidão alguma para encarnar uma ave de agouro, não posso deixar de reconhecer o pavor que tomou conta das fileiras bolsonaristas com a possibilidade real de não vingar o desejo incontrolável da reeleição. Antes de continuar, vale registrar que perder uma eleição, uma partida ou um campeonato faz parte do jogo. Não para aos bolsonaristas, que não admitem a volta dos que não foram e avaliam o mito como salvador da pátria. E libertadores não perdem jamais. Caso isso ocorra no Brasil, a saída já está delineada: a virada de mesa. Resta saber se terão condições e força para essa empreitada que se desenha desde janeiro de 2019.
É claro que, além do nada, tudo de bom e de ruim pode acontecer até outubro. Afinal, embora não acredite em eventual morte anunciada do mal, tampouco em golpe antecipado do bem, nunca é demais lembrar que entre o medo e o temor há o eleitor. E dele podemos esperar do êxtase do voto consciente à necessidade de apostar no autoritarismo para justificar posicionamentos psicóticos anti-isso e anti-aquilo. Tem umas histórias que a gente custa a acreditar como real. Uma delas é essa invenção belicosa do bem contra o mal. Venho matutando sobre meus conceitos políticos e ideológicos, mas ainda não descobri que tipo de bondade ou nocividade essa divisão representa.
Quem é do bem e quem é do mal? Eu sou do bem, mas não consigo deixar de falar mal do que se mostra equivocado. Aliás, o vocábulo equivocado é um eufemismo, considerando que soa muito mais agradável do que o verbete despreparado. Divagações à parte, está evidenciado que, ao retomar a ladainha da contagem de votos, o desespero definitivamente tomou conta da campanha do Putin tupiniquim. E não é para menos. É perfeitamente justificável. Como diria um velho amigo das redações, a preocupação exacerbada do front bolsonarístico tem a ver com a hipótese de o capitão entrar para a história como o primeiro presidente não reeleito do Brasil após o advento da recondução, em 1994.
O pior dos cenários seria uma derrota para um ex-presidente que, para os frequentadores assíduos do cercadinho, nada produziu de bom para o Brasil ou para os brasileiros. Embora, do ponto de vista da corrupção, não seja uma avaliação de todo exagerada, a administração que o povo do capitão adora criticar elevou o Brasil à condição de nação séria e pronta para receber investimentos dos quatro cantos do mundo. E agora? A corrupção apenas trocou de nomes e endereços. Ou não? Aliás, se imaginássemos um filme com o enredo três anos e três meses sem corrupção provavelmente levaríamos o Oscar de melhor ficção.
Voltando à realidade, cadê as boas práticas administrativas e de boa governança? Estão escondidas? Será que só são vistas pelos nossos obreiros pastores? Pois bem, enquanto os corvos crocitam, os cães ladram a as cobras sibilam, os grilos cricrilam e o sapo coaxa, todos à espera dos gritos dos eleitores em defesa do bem ou do mal. Considerando que a maior riqueza da democracia é o voto, não devemos olvidar que só levaremos o que somos, consequentemente deixaremos por aqui o que temos. Não sei quem vencerá essa louca disputa. Sei apenas que, apesar de parecer besta, o eleitor não é burro. Por isso, fora os exageros da militância, por enquanto tenho apenas uma certeza: falta uma razão para um deles vencer.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978