Fanatismo cego
Brasileiro anormal idolatra quem ignora a sociedade em que vive
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emSubstantivo masculino, fanatismo, segundo o Aurélio, significa adesão cega a um sistema ou doutrina, algo como dedicação excessiva a alguém ou algo. Para terapeutas, psicólogos e psiquiatras, é o estado psicológico de fervor excessivo irracional e persistente por qualquer coisa ou tema, historicamente associado a motivações de natureza religiosa ou política. Etimológica, anatômica ou fisiologicamente, não é uma patologia. Ou seja, não é uma doença, mas pode comprometer a saúde mental. Atualmente tem assustado pela frequência do contágio, embora seja limitada a paranoides, cuja apaixonada adesão a uma causa pode aproximar-se do delírio.
Considerando as características dos simpáticos ao fanatismo, o susto experimentado nesses últimos três anos é óbvio, além de preocupante para a medicina. Apenas para a medicina. Fiquem cinco minutos ao lado de um dos que surtam a qualquer tipo de crítica àquele ser inexistente e perceberão claramente sintomas de agressividade, preconceito, dificuldade em escutar ou discutir argumentando, ódio, visão maniqueísta, associados a um natural estreitamento mental. São pessoas que não ouvem a opinião do outro, idealizam algo como única verdade e acreditam que o que é bom para elas é ideal para a humanidade. Em outras palavras, a humanidade que se fornique. No sentido bíblico, é claro.
Tema longo para ser avaliado em poucas linhas, no fanatismo cabem numerosos conceitos e definições de sentimentos. E não há como lutar contra os fanáticos. Pior ainda é ter de aceitá-los com suas crenças e mitos maluquetes. Como não sou do ramo, prefiro me fixar no que entendo como o óbvio ululante que pulula nas mentes humanas. Como ser que somente tira os pés do chão para lavá-los, acho que a clareza do termo dispensa explicações. Aceitável do ponto de vista do comportamento, melhor ignorá-los, não lhes dando conhecimento suficiente. Partindo do princípio de que normalmente somos fanáticos por alguma coisa que existe de fato, alguma coisa palpável, é o que tenho procurado fazer nos últimos tempos.
Durante esse período de abandono nacional, tentei mostrar a alguns amigos do coração que o problema não é sermos ateus, cristãos, budistas, macumbeiros, espíritas, ninjas, power rangers ou seja lá o que for. O problema é sermos fanáticos. Mudei de tática e passei a ignorá-los. Foi a forma mais fácil de manter os amigos que, apesar da lambança mental, ainda prezo. Após meses de reflexão, resolvi entender que, voluntária ou involuntariamente, eles acabaram satanizados por quem se julga inspirado por uma divindade
Nascido no século passado, também já fui fanático por literatura, álbuns de figurinhas, tampinhas de garrafas, canecas variadas, futebol, bife com batatas fritas, Coca Cola, trabalho e esportes menos radicais, entre eles levantamento de copo e corrida estacionária. Em resumo, tudo palpável. Nunca cheguei a ser fanático por moças bonitas e de glúteos avantajados. Me bastavam as nobres de espírito. Até hoje penso assim. O longo trânsito entre o sagrado e o profano me provaram que, inimigo da democracia, o facciosismo exagerado é a única forma de força de vontade acessível aos fracos. Em síntese, é o sintoma mais agudo da estupidez. Parafraseando Ariano Suassuna, paixão radical e inteligência nunca habitam o mesmo espaço.
Por isso, posso estar exagerando, mas como explicar a obstinação por bigorrilhos? Não pode ser normal idolatrar seres que ignoram a sociedade em que vivem, os eleitores que, inocente ou ingenuamente, os elegeram. Ainda mais anormal é se fazer de desentendido e esquecer que o fanatismo é para a política o que a hipocrisia é para a virtude. Uma pena vinculá-los a um mito de coisa alguma, mas, a exemplo dos de ontem, os fanáticos de hoje sabem de tudo, têm moral para tudo. Só não entendem – na verdade não querem entender – que, na cegueira opcional, se transformaram no pior dos surdos. Que Deus e todos os orixás nos protejam.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978