Mantra herege
Deus, brasileiro, precisa salvar o povo do fanatismo
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emExibição de bandeiras, algumas com mensagens ameaçadoras, discursos patéticos e gritos estridentes em apoio ao mito marcaram a 28ª Marcha para Jesus, realizada no último fim de semana, em Curitiba. Para sorte do Brasil e de expressiva parcela de brasileiros, a ausência mais sentida foi a de Deus. Certamente ocupado com coisas mais sérias, o Mestre dos mestres não participou, tampouco mandou representante. Provavelmente Ele foi informado a tempo que a divindade menor havia preparado um improviso, por meio do qual repetiria aos evangélicos fanatizados o mantra herege de que somente Ele (Deus) o tira do Palácio do Planalto.
Pedindo perdão antecipado por também profanar o nome divino, não custa lembrar aos seguidores, inclusive àqueles que, a exemplo da maioria dos brasileiros, vivem no perrengue, que o intrépido mito de barro marcha com quem estiver ao seu alcance, mas pelo voto e não por Jesus, que não tolera vendilhões dos templos, mentirosos, pastores de péssima conduta, bem como renega cobradores de dízimos em ministérios e defensores da tirania. Todos sabem disso, mas naturalmente esquecem que os falsos profetas são treinados na arte de iludir com palavras suaves antes de proferir xingamentos, ameaças e maldições contra quem se meter em seus caminhos.
O problema é que eles se traem. Os pseudos visionários têm o interesse egoísta como marca registrada. Exemplo disso é o Deus que, sem consulta prévia, o Messias da Esplanada dos Ministérios incluiu no slogan de governo. Interessante são os admiradores do presidente evangélico de ocasião. Eles não aceitam as imagens da Igreja Católica, mas idolatram um ser imaginário que nunca fez nada por eles. Na verdade, nunca fez nada por ninguém que não fosse da família. É bom que se diga que o termo mito é um relato imaginário, abstrato, por vezes utilizado de forma pejorativa para se referir às crenças sem fundamento objetivo ou científico.
Portanto, não é uma história verdadeira. Deus também é abstrato, mas nem mesmo os terrivelmente evangélicos duvidam de sua existência suprema. Tanto que, usando da fé que os fieis depositam Nele, tiram dos mais pobres para cobrir telhados de ricos. Esse Deus, cujo nome tem sido usado em vão, talvez tenha apostado nas boas práticas anunciadas em campanha. Talvez Ele tivesse certeza de que um governo terrivelmente cristão e absurdamente honesto trabalharia para tirar da pobreza extrema centenas de milhares de brasileiros.
Pensou errado. Até agora, quase três anos e meio após a posse, o verdadeiro povo de fé continua levantando as mãos para o céu à espera de um milagre. Os dias melhores prometidos nunca chegaram e, a depender da má vontade do governante maior, jamais chegarão. Muito pelo contrário. Ficarão ainda mais difíceis, principalmente se o desgoverno se mantiver. Vez por outra a massa do rancor e da fúria recorre a Deus, mas, pelas proposições apresentadas, fica claro que o ódio destilado diariamente no cercadinho onde se reúnem os apoiadores do nada não se limita àqueles que hoje defendem a democracia com unhas e dentes. Atinge sobretudo a maioria da população que vive com o dinheirinho contado para comer.
Esse povo, também denominado de obreiro nos cultos arrecadadores, tende a perder uma de suas maiores conquistas. Tramita na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara uma emenda constitucional (PEC) dispondo sobre a cobrança de mensalidades nas universidades públicas. Se a ideia é economizar recursos decorrentes de impostos, bem que suas excelências poderiam começar pelos salários e vantagens absurdas que recebem. De autoria do deputado aliado General Peternelli, o jabuti oficial tem apoio do deputado Kim Kataguiri, cujo relatório é pela admissibilidade da proposta. Ou seja, o governo de Deus parece defender dificuldades para o pobre se educar. Será que a intenção é buscar facilidades para governos intolerantes manipulá-lo quando bem entender? Que Deus nos salve de mais esse infortúnio e do fanatismo que afasta o Brasil do seu povo.