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Fanatismo de ocasião

Fã masoquista do mito insiste na dor e finge que não sente nada

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Junior* - Foto de Arquivo

De folga dos tortuosos e pragmáticos afazeres domésticos, nesse fim de semana resolvi, por conta própria, dar um rolezinho no hipermercado do bairro. A ideia inicial era checar preços, principalmente o da carne e do frango, ambos sumidos da mesa de boa parte dos brasileiros. Lá estando, decidi fazer as compras do mês, que agora duram apenas uma semana. Com o carrinho abarrotado de sacolas quase vazias, cheguei à fila dos caixas, nas quais dificilmente deixamos de fazer uma nova e passageira amizade. É claro que nem sempre o amigo de ocasião é auspicioso ou cortês. Estava no rabo da bicha (fila em Portugal), quando fui interpelado por um desses “vizinhos” falastrões e chatos pelo fanatismo sem causa.

Mais do que isso, meu companheiro de rolezinho queria dizer para todo o mercado – e disse – que já tinha escolhido seu candidato à Presidência da República. Não perguntei quem era, mas, pelo perfil verde amarelo, ficou claro para todos que se tratava de um eleitor fanático do mito Jair Messias. Antes que manifestasse sua idolatria, indagou-me sobre meu candidato. Sem olhá-lo nos olhos para não gerar intimidade, respondi que o meu era o mesmo do dele. Entre incrédulo e insatisfeito com a resposta, o desconhecido amigo insistiu. Com sua voz de taquara mais ou menos rachada, me inquiriu. – Afinal, em quem você vai votar? Novamente respondi que no mesmo candidato dele.

Percebendo sua irritação um tanto policialesca, resolvi esticar a conversa e disse que meu voto seria naquele que dizem ter patrocinado uma gigantesca roubalheira no Brasil. Aproveitando-me do sorriso de canto de boca e do temporário silêncio do meu interlocutor, emendei informando que a diferença de ontem para hoje é o sigilo e a conivência de parte do Congresso. Lembrei que a lambeção de beiços com dinheiro público vem de longe e que, no fato gerador do sorriso amarelado, imagina-se, mas nada de provas. Acrescentei que, ao som de um lá lá lá em ritmo de funk, até mesmo a Organização das Nações Unidas já se manifestou favoravelmente ao indigitado cidadão.

Sentindo que sua glândula sudorípara extrapolava a camisa pantaleônica, rebati afirmando que estava tudo tão anormal que, atualmente, votar em quem afana e carrega parece mais razoável do que optar por quem afana e esconde. Claro que ele não alcançou a pilhéria. Então, preferi continuar brincando que estava de brincadeira e sapequei na lata do fanático de ocasião que até outubro, mês da comemoração, o único fardo que desejo carregar é o da cerveja. A conversa de bêbado continuou até que ele (meu novo amigo), me colocou nas cordas. – Não sei em quem você vai votar, mas imagino. Mas me diga com sinceridade se o Brasil e brasileiro não estão bem melhores do que estavam no governo que você disse que roubou.

Antes de responder, o corrigi, alertando-o que quem jura de pés juntos que aquele outro governante roubou são os apoiadores do atual mandatário. Eu apenas suponho, porque, sem entrar no mérito e a exemplo do caviar, só ouço falar. Nunca vi. Quanto ao brasileiro, ele hoje está do jeito que veio ao mundo. O companheiro perguntou: “Sem roupa”?”. Não, respondi, acrescentando: Está com fome, sem dinheiro, com vontade de chorar e louco para ser novamente roubado. Decidido a encerrar o embaralhado colóquio, lembrei de uma velha (mas atualíssima) piada de bêbado.

Claro que não contei, mas a história é a seguinte: o bêbado entra no ônibus e senta ao lado de um pastor evangélico, daqueles que, como o novo amigo, fala mais do que o homem da cobra. Dois minutos após e o pastor olha para o bebum com ar de reprovação e piedade e diz: “Meu filho, você não vê que esse é o caminho para o inferno?”. O bêbado grita: “Paaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaara motorista, peguei o buzão errado”. Matutei e resmunguei: entrei no mercado errado. Deixei as compras, informando ao já ex-amigo que havia esquecido de secar os pratos e as panelas que tinha lavado. Deus me livre. Realmente, fanáticos parecem sândalo, árvore que perfuma o machado que a fere. É a chamada dor de quem não quer acreditar no que está vendo.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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