Roteiro sem nexo
Brasil com seu Gargamel mais parece compêndio mal escrito
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emÉ verdade que não devemos julgar o livro pela capa. Entretanto, logo após o fim do introito já dá para ter certeza se a leitura será boa ou ruim. Às vezes, basta um passada d’olhos para se perceber que, apesar da bela apresentação, a lição, o conto ou o romance não passarão de farsas escritas como comédia. A “obra” que o brasileiro estuda atualmente é mais ou menos isso. Trata-se de um opúsculo tão mal escrito que parece com todas as páginas em branco. Mesmo com muito esforço, difícil entender onde o autor pensa chegar. E não falo apenas da desimportância da produção, mas principalmente da dificuldade que o personagem central encontrará para contar sua própria história.
Graças a Deus, tudo indica que o compêndio chamado Brasil é mal escrito, rasurado, rabiscado e cheio de erros. Traçado desde a primeira letra, o roteiro sem nexo é seguido à risca pelos revisores, editores e gráficos. O problema é que, bem antes de serem prensados, os textos são transformados em factoides e precisam ser reescritos de forma a parecerem sempre novos. Nunca conseguem, mas não param de testar a conveniência e paciência dos pretensos leitores. Poucos sabem do mote do tratado ou da apostila. Seja lá o que for, já ficou bastante claro quais são dois os problemas básicos da compilação: o escritor e o personagem.
Os dois não se acertam, não combinam. Como diria um ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal que adorava marchar contra a maioria, temas como esses não prosperam. Ficam pelo caminho, morrem no nascedouro por falta do que dizer. Um boa história não se conta somente com um sujeito e supostos predicados do tipo um par de botinas sujas e lascas de frango frito com farofa pelas esquinas da capital da República ou de qualquer outra cidade do país. É preciso muito mais do que ideias maluquetes para realmente se vender como rascunho de coisa alguma. Ainda que seja como vilão, o protagonista tem de ter luz e energia próprias. As dos outros são as dos outros.
Mesmo no desenho animado, heróis e anti-heróis são exemplos bem acabados de vitória do mérito sobre o demérito. Se não fosse assim, não passariam de fantasmas do curioso, recreativo, velho e bem produzido almanaque do Biotônico Fontoura, editado e ilustrado por Monteiro Lobato, cuja teoria era o fortalecimento físico por meio da superação da ancilostomose, a popular lombriga. Ao que parece, o parasita intestinal foi dizimado. O do medo continua entre nós e atende pelo singular nome de O Brasil em 2035. Com 93 páginas, o tal projeto aborda 37 temas estratégicos e foi desenvolvido por militares e civis “apartidários, abertos e flexíveis”, embora ligados ao grupo Terrorismo Nunca Mais, ONG criada pelo falecido coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Pelo sim, pelo não, melhor ficarmos atentos ao prelo. Aparentemente são apenas estudos, mas assim é que se começa uma nova história de horrores. É bom voltarmos no tempo e rememorarmos a obra do cartunista e ilustrador belga Pierre Culliforde. De acordo com seus quadrinhos, Gargamel odeia os Smurfs. E a pergunta que nunca deixou de ser feita é sobre a razão de tanto ódio. A resposta é simples: qualquer que seja o motivo, Gargamel odeia os pequenos monstrinhos que vivem em casas em formato de cogumelo. Não somos monstrinhos e nem todos temos onde morar dignamente, mas não esqueçamos jamais de que também temos o nosso Gargamel.