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Lenda urbana

Democracia ou autocracia, qual o melhor caminho?

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior* - Foto de Arquivo

Apesar de todas as minhas tentativas de entender o governo do presidente Jair Bolsonaro como algo próximo da normalidade, sempre surge um fato novo capaz de me recolocar na esteira da realidade. Quando me imaginei livre da ladainha relativa ao questionamento do sistema eleitoral, eis que o ministro da Defesa resolve recorrer ao TSE com um pedido em caráter de urgência, mesmo com um mês de atraso. Certamente por recomendação do chefe, ele quer acessar o código-fonte das urnas eletrônicas, cujos dados estão franqueados para quem quiser desde outubro de 2021. Preocupado com outras questões mais sérias, entre elas a logística golpista do 7 de Setembro, o ministro talvez não tenha se apercebido do timing perdido.

Apenas para lembrá-lo, enquanto procurava novas e fracassadas formas de desacreditar as eleições, dezenas de entidades cadastradas na Justiça eleitoral , inclusive hackers profissionais, viravam o equipamento de ponta cabeça. Sabe o que acharam? Nada que pudesse colocar sob suspeita as maquininhas de votar. E, por mais que tentem, não encontrarão. Quanto ao ministro da Defesa, ele próprio sabe que não há hipótese de fraude na votação eletrônica. Na verdade, tem certeza, pois há décadas são as Forças Armadas as responsáveis pela logística de distribuição e segurança das urnas. Então, nada mais a declarar. Certo? Errado, é claro.

Em silêncio e a despeito do desrespeito do governo federal, o comando do TSE se organiza contra os ataques ao sistema brasileiro. A última ação foi um acordo com a Missão de Observação Eleitoral da União Interamericana de Organismos Eleitorais (Uniore) para acompanhamento do pleito de outubro. Além da Uniore, também fecharam acordos com o TSE a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Parlamento do Merosul (Parlasul). Organismos confiáveis e com respaldo da comunidade internacional, essas entidades estão aptas para provar, sem qualquer arrodeio, que as urnas são absolutamente confiáveis e que o golpe não consta mais do vocabulário do mundo moderno.

Sem discurso e quase na lona, é natural que o presidente e seus apoiadores tentem de tudo para melar a vitória do outro candidato. E não há meio termo, isto é, não poupam esforços para ganhar. O vale tudo inclui propostas terroristas, invenção de fraudes eleitorais, demonização da esquerda e negativas infantis da fome ou da morte de quase 700 mil pessoas por conta da Covid-19. Cansativas e esfarrapadas, essas tentativas deveriam estar enterradas. Seria muito mais bonito se os defensores da balbúrdia estivessem correndo democraticamente atrás de votos.

Entretanto, sabedores de que o ódio embrulhado em papel de pão pode ser ampliado a qualquer momento, elas (as tentativas) fazem parte do dicionário daquelas pessoas que, travestidas de patriotas, teimam em conspirar contra as liberdades. Ao contrário do que afirmam brasileiros distantes da realidade, entre eles alguns militares com discursos misturando desespero e necessidade de vingança, democracia é sim feita com o povo. O inverso é a autocracia, cuja definição é a forma de governo centrada em um indivíduo com poderes absolutos e irrestritos.

Não é o que queremos. Será o fim se chegarmos a esse estágio. Aí a Pátria Amada estará oficializada como país da sacanagem. Hoje apenas implícito, esse poder passará explicitamente às mãos das classes privilegiadas, também conhecidas por endinheirados. Sobrará para a massa que produz e que movimenta a nação somente mais um factóide em forma de poesia inspirada na obra de Câmara Cascudo: o melhor do Brasil é o brasileiro. Em síntese, pelo menos por mais quatro anos, manteremos o status quo que merecemos: o de lenda urbana.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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