Mentiras no JN
Político raiz é o que pode tudo, mas não quer nada
Publicado
emOs tempos realmente são outros. Após décadas, talvez séculos, de abandono, os eleitores brasileiros parece que começaram a acordar. Melhor do que o despertar de um sono profundo, acredito que a maioria tenha se tratado – e se curado – daquela doença eleitoral crônica chamada crendice aguda, popularmente conhecida por acredito em tudo até que provem o contrário. Em se tratando de políticos, a prova sempre foi contra quem os elege, mas nunca serviu de prova para abandoná-los. Para verificar a veracidade desta afirmação, basta que avaliemos o anterior e o atual Congresso Nacional, os governos estaduais, as assembleias legislativas, as câmaras municipais e a Distrital do DF. Entra ano, sai ano, nada muda. Por isso, aquele velho adágio: o cocô pode ser renovado, mas as moscas são sempre as mesmas.
Por que será? São altruístas? Talvez voluntários loucos para ajudar o próximo? Quem sabe portadores de uma incontida vontade de trabalhar pelo país e pela sociedade. Repórter antigo de política, convivi muito de perto com a classe. Sem medo de errar, posso garantir que todas as alternativas acima estão erradas. A necessidade de poder, de comando, de locupletar-se é o que move suas excelências. Como diria os fictícios deputados Justo Veríssimo e João Plenário, o povo que se exploda. Respectivamente criação dos geniais Chico Anysio, já falecido, e Saulo Laranjeira, Veríssimo e Plenário não têm nada de ficção. Eles fazem parte do dia a dia da política nacional e estão bem próximos de nosotros, mesmo quando estão longe.
Por exemplo, o que dizer dos R$ 26 milhões gastos pelos deputados federais em apenas um mês com “atividades legislativas”. Recorde para o período, esses recursos foram economizados durante a pandemia. Se querem prova maior, pesquisem o patrimônio dos candidatos. Universo micro dentro do contexto nacional, o Distrito Federal tem direito a oito vagas na Câmara Federal. Conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral, 204 personagens postulam um desses postos. Curioso é a diferença patrimonial entre eles. Desse total, dez candidatos registraram fortunas superiores a R$ 2,1 milhões. Os três mais ricos acumulam 63,5% do montante declarado por todos os demais postulantes. Um deles – o terceiro mais rico – foi meu contemporâneo na cobertura jornalística do Congresso. Foi repórter de uma TV que não existe mais. Formou-se em direito e, graças a Deus, enriqueceu. Os cifrões não são meros detalhes. Natural e obviamente, o poder econômico pode levá-los com mais facilidade à vitória.
Daí, a pergunta que não quer calar. Que tipo de preocupação um cidadão ou cidadã com fortunas da ordem de R$ 128,6 milhões, R$ 77,06 milhões ou R$ 65,2 milhões tem em relação ao semelhante? Nada contra os ricos e poderosos, mas, se a intenção é fazer o bem, faça sem aparecer e sem o envelopamento do poder. Conheço dezenas de pessoas com patrimônio inferior a R$ 2 mil que, por exemplo, ajudam diariamente os que têm fome, sede e frio. Querem ter certeza disso? Circulem à noite ou de madrugada pelas ruas, avenidas e viadutos das grandes cidades. Uma pena, mas suas excelências não têm tempo, disposição ou “saco” para esse tipo de atividade. Como pobre sequer tem título, isto não dá voto. Portanto, discordo veementemente daqueles que rotulam Justo Veríssimo e João Plenário como figuras do imaginário humano. Melhor que fossem.
Lembro das histórias filantrópicas do velho e sempre lembrado alagoano João Francisco de Araújo. Político popular e de indumentária simples, jamais se imaginou fora de sua cidade de origem (São José da Laje) ou de Ibateguara, município que viu surgir em janeiro de 1959 e que escolheu para firmar laços, consolidar amizades e gerar a prole. Trabalhou muito, mas não amealhou fortuna. Ganhou o suficiente para viver bem. Teve chances, mas preferiu estar perto do seu povo, de sua gente. É o chamado político raiz, o que pode tudo, mas não quer nada. Durante toda sua existência, lhe bastou ser marido, pai, tio e sogro presentes, além de padrinho dos menos aquinhoados, para os quais, muito mais do que eventuais “agrados”, tinha sempre uma palavra de conforto. Tipos como João Francisco hoje fazem parte do folclore.
Poucos são os políticos de agora que acreditam na existência deles. Lamentável, pois poderiam beber na fonte do saber e aprender a lidar com o bem maior dos candidatos a cargos eletivos: o eleitor. Com o próprio João Francisco, alguns tentaram, mas o voluntarismo ficou pelo caminho. Venceu a sede do poder. Grande parte dos políticos – acho que todos – desconhece o preço do tomate, da couve, da cebola e da batata. No entanto, no período eleitoral não saem das feiras livres, onde comem pastel e frango com farofa. Para eles são alimentos considerados indigestos, mas quem acaba passando mal é o pobre do eleitor. Oxalá eu esteja certo.
Que as considerações iniciais se confirmem. Que os eleitores deixem de ser seduzidos pela tentativa de compra de votos. Nesse caso, depois de outubro certamente a indigestão deverá mudar de estômago. Uma pena João Francisco não ter assistido a entrevista de Jair Messias ao Jornal Nacional, ao qual mentiu a respeito de xingamentos a ministros do STF, sobre ações do governo na pandemia e ainda impôs condições para aceitar resultado das eleições. Sem preocupação alguma, o velho político das Alagoas teria me dito: Esse não é político raiz.