Democracia ou autocracia
EstrataZema de última hora não muda número da eleição
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emA pouco menos de três semanas para o segundo turno da eleição presidencial, 93% dos 156 milhões de eleitores se dizem totalmente decididos sobre o voto entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. Os 7% restantes afirmam que a escolha ainda pode mudar. Isto significa que o pleito está decidido para um lado ou para outro? Obviamente que não, porque o altíssimo percentual de convicção alcança tanto Bolsonaro quanto Lula. Além disso, sete pontos são insuficientes para garantir a vitória de um dos candidatos. Ou seja, apesar de todos os pesares, muitos acreditam que o jogo já está jogado, principalmente após a pesquisa Ipec desta segunda-feira (10), sustentando Luiz Inácio dez pontos à frente de Bolsonaro. Como velho amante da política, prefiro a consolidação das urnas e o anúncio oficial do vencedor. Até lá, o coração pulsa forte.
Um velho deitado é sempre sinônimo de um eloquente e sábio ditado. Um deles determina que o jogo só acaba quando termina. Acrescentaria a esse antigo e prevenido bordão a tese da cautela e do caldo de galinha. Como tudo na vida tem os dois lados, se um recomenda aguardar o apito final para qualquer tipo de comemoração, o outro, além de pregar tranquilidade e fé, sugere o armazenamento dos fogos e do chope, ainda que sem gelo. É evidente que reverter cerca de seis a oito milhões de votos em um mês não é tarefa das mais fáceis. Também é certo que, na vida, tudo é passível de mudança, tudo pode virar de uma hora para outra. Entretanto, não tenho notícia de tal feito na política brasileira. Reais e inquestionáveis, os números podem ser modificados, mas não bastam falsos estrataZemas ou fake news contra a honra do candidato oponente.
É necessário muito mais para se reeleger. Considerando a proporção de votos alcançada em 2018 – praticamente a mesma em 2022 – o presidente da República até pode conquistar o segundo mandato. Porém, conforme levantamento de um periódico da chamada grande imprensa, para isso sua excelência precisaria conquistar quase 370 mil novos eleitores diariamente até o dia 30. É uma marca considerável. Como matemática é bem diferente da fritura de pastéis, essa reversão ocorreria com alguma facilidade, desde que, também diariamente, o adversário perdesse expressiva quantidade de votos. Improvável, na medida em que as últimas pesquisas teimam em sugerir o retorno aos palácios do Planalto e da Alvorada do ex-presidente Luiz Inácio.
Associado à tendência brasileira e global de fortalecimento da extrema-direita, o quantitativo de votos de Jair Messias no primeiro turno surpreendeu. Apesar da surpresa, para a maioria dos políticos que permanecem na disputa o resultado não rompe com o favoritismo de Lula da Silva. Eles presumem que, teoricamente, os votos dados ao ex-presidente são sólidos. A especulação não é apenas hipotética. Partindo dos pressupostos das pesquisas eleitorais, ela é perfeitamente crível. Logicamente que para os mortais é muito difícil antever o que sairá das urnas neste segundo turno presidencial. No entanto, é fácil antecipar a dificuldade que será para o derrotado entender que perder faz parte da vida.
Mais importante será o entendimento de que felizes são os homens que conseguem receber, com naturalidade, o ganho e a perda, o acerto e o erro, o triunfo e a queda. Diria, inclusive, que aquele que não souber lidar com a derrota, jamais será um vencedor. Afinal, perder é uma forma de aprender, de acordo com uma tese defendida no século passado por Winston Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial. Segundo o líder inglês, o sucesso consiste em ir de fracasso em fracasso, sem perder o entusiasmo. Traduzindo para o politiquês de nossos tempos, na vida é preciso estar preparado para ganhar e para perder, pois aquele que só sabe ganhar é melhor nem entrar no jogo.
Dito isto, sei o quão complicado é explicar uma eventual derrota para um cidadão que passou três anos e dez meses sendo mais candidato do que presidente. Justamente ele que, mesmo antes da abertura das urnas, já pensa em substituir a democracia pela autocracia e ameaça o Judiciário com a antipática ideia de ampliação do número de vagas no Supremo Tribunal Federal. Presidente, primeiro vença a eleição. Diferentemente do Congresso, cooptado com recursos do orçamento secreto, o eleitor de hoje não se vende por baboseiras, tampouco por auxílios disso ou daquilo. Ele quer propostas. Somente propostas. E elas não vieram. Não passaram de lorotas. As chances de reversão realmente são verossímeis. Afinal, um dos candidatos tem a máquina e a caneta nas mãos. Contudo, tem uma língua tão afiada que corre o risco de ser abatido pelo próprio veneno. Nesse caso, é esperar para ver se ele passa a faixa.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978