Va-ga-bun-do
Allan vai escrever Memórias do Cárcere do seu mito Bolsonaro
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emMuito se tem dito e escrito sobre os erros e pecados de Jair Bolsonaro e do bolsonarismo. Inclusive figuras como Eduardo Cunha, exímio articulador político (embora tenha falhado na negociação que terminou por mandá-lo para a prisão), escreveu algumas linhas apontando figuras como Carla Zambelli e Roberto Jefferson, descritos pelo ex-presidente da Câmara como indivíduos que se comportavam como “amigos íntimos” do presidente, como responsáveis por desgastes supostamente desnecessários na reta final da corrida ao Palácio do Planalto.
Mas, há um personagem nefasto que certamente marcou a era do bolsonarismo. É Allan dos Santos. O idealizador do Terça Livre, que já almejava ocupar o lugar de Olavo de Carvalho, quando o ex-guru palaciano batesse nas portas do Inferno, fazia questão de invocar Platão e Aristóteles para impressionar seus interlocutores – a maioria alheia a filosofia clássica – bem como sua proximidade com a família Bolsonaro, para ter trânsito livre no governo.
Sem nenhuma passagem conhecida por veículos de imprensa, Allan foi protagonista – e por que não a gênese? – do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal.
Ao publicar notícias falsas sobre a saúde e a intimidade do premiado jornalista Glenn Greenwald, aquele que deu voz ao único e notório whistleblower vivo da atualidade, Allan conseguiu virar para si os holofotes e se tornar uma das figuras mais grotescas entre todos os bolsominions.
O último episódio circula em três vídeos gravados por ele em Nova Iorque, onde reclama qu apesar de ter uma credencial de jornalista, é impedido de entrar em um evento. Em um dos vídeos, sem pedir licença e sem se identificar, Allan tenta entrevistar Ricardo Pinto de Oliveira (proibido até 2024 de exercer cargos em instituições financeiras por supostas negociatas com precatórios), indagando “O que o senhor tem a dizer sobre as manifestações aqui?” – numa referência ao ‘gado brasileiro’ que preferiu comer capim nas terras de Tio Sam.
O entrevistado tenta se desvencilhar, respondendo não saber de nada. Num ataque de fúria irracional, Allan, que mora nos EUA, diz ao entrevistado que o Brasil está vivendo uma tirania.
Ao ser questionado onde vive, Allan encarna o comportamento típico do miliciano bolsonarista carioca: “Responde o que eu tô perguntando, rapá, seja homem!”. E segue dizendo que tem liberdade de perguntar o que quiser. Ao ser retrucado pelo entrevistado que tem a liberdade de não responder, emergem das origens de Allan as peculiares ofensas que nem Olavo de Carvalho, que usava o jeito de pitoresco vovozão doidão, ousava pronunciar. Allan persegue o entrevistado na rua: “Fica calado, seu covarde? Seu merda! Vagabundo! Va-ga-bun-do! Filho de uma puta! Eu tenho liberdade pra dizer isso aqui”, repete o tresloucado que, sabe-se lá por que razões, ainda não está na lista da Interpol.
E Allan conseguiu o que queria: estar nos trending topics do Twitter. Mesmo sem saber, então, a identidade do entrevistado (o que pouco importa diante da grosseria, agressividade e insanidade demonstradas por ele), o vídeo é um dos mais comentados do dia, onde o séquito de apoiadores de Allan, tão caricatos quanto ele, acha normal o comportamento agressivo e vazio do jornalista, cujo maior conteúdo é gritar palavrões e xingamentos por onde passa. Fico imaginando o que seria de um jornalista de qualquer veículo falando assim com Bolsonaro no cercadinho?
Bolsonaro, o inassessorável, que optou por lives toda quinta-feira ao invés de utilizar uma comunicação profissional para a instituição da Presidência da República, ainda não atribuiu a Allan dos Santos prejuízos ocorridos em seu mandato, como já fazem os filhos ao culpar Mr. Bob Jeff pela perda de votos na reta final das eleições no episódio “Duro de Matar”, protagonizado pelo outrora apoiador.
Quando do isolamento imposto por uma bastante provável prisão – lembrando que Michel Temer foi preso menos de 90 dias após deixar o cargo – Bolsonaro ditará suas memórias. Saberemos o real papel de Allan dos Santos em todos esse burlesco script. Até porque – é o que se comenta entre o gado que por aqui ficou – Allan já está no prefácio do livro, com entrevistas pontuais com Bolsonaro. Tudo virtual. Porque, se voltar para a terrinha, corre o risco ocupar a mesma cela do seu ‘mito’.
Veja o vídeo