Folhetim bolsonarista
Sem folia e sem fantasia de mito, Bolsonaro vai parar em Xandão
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emDepois de três dias de folia, a pergunta que não quer calar é simples: Jair volta ou vai disputar a eleição para administrador do Condado de Palm Beach, na Flórida, para onde escafedeu-se? Acho que nem o mestre Donald Trump sabe. Melhor que fique por lá. Como otimista de berço e cristão por natureza, não tenho o hábito de chutar cachorro morto. Todavia, é praticamente impossível esquecer daqueles que exacerbam do poder que lhes é concedido por Deus, pela academia ou pelo voto. Caso específico do cidadão em questão. É comum ouvirmos que a maioria das pessoas busca o poder a qualquer preço. O problema é quando o alcançam. É nesse momento que mostram o que realmente são. Isso ocorre porque o domínio nada mais é do que o direito de deliberar, agir e mandar.
Partindo da premissa de Abraham Lincoln, para quem “a maior habilidade de um líder é desenvolver habilidades extraordinárias em pessoas comuns”, é necessário fazer um comparativo do Brasil de hoje com o Brasil de um mês e meio atrás. Por mais que a minoria fanática e raivosa não percebesse, a maioria da paz vivia sobressaltada com os fatos do dia e, principalmente, com o futuro do país. De imbrochável a incontrolável e insuperável do ponto de vista da intolerância política, o mandatário que pariu do nada um histriônico mandato presidencial foi o exemplo mais cristalino da robustez tirânica. Por quatro longos anos, sua excelência sem méritos não teve coragem de assumir suas vulnerabilidades, tampouco força para extravasar suas imperfeições. Por isso, acabou exatamente como começou: sem prestígio algum fora do grupo chegado ao fanatismo aterrorizante.
Nesse período, ele escondeu de todos uma duvidosa competência e acabou levando o Brasil ao pior dos cenários em 523 anos de República. Sua última tentativa demoníaca ocorreu em 8 de janeiro, um domingo que poderia se findar com gosto fúnebre. Felizmente, terminou com algumas instituições quebradas, mas com o país inteiro. No fim daquele dia, Luiz Inácio estava no andar mais alto do altar onde o povo o colocou e a democracia não havia sofrido os arranhões cobiçados pelos talibãs pagos pela elite extremada, apoiados pelos aloprados representantes do povo e, sobretudo, empurrados pelos imbecis fantasiados de patriotas.
Curioso é que a fantasia verde e amarela sumiu dos corpos, automóveis e varandas golpistas. Alguém tinha de perder. Evaporou-se um governador reeleito, um ex-ministro de Estado sumiu na poeira do puxa-saquismo exacerbado e sua excelência de encruzilhada desceu pelo ralo de sua incompetência. Naquele domingo, começou a fugir pelas mãos um capital político que ele jamais imaginou um dia ter. Como já disse em outra ocasião, foi o início do seu fim. Político e ditador em estágio probatório, produziu o enredo de um malfeito e fugiu antes de saber como os atores coadjuvantes iriam se comportar no palco. O resultado foi o que se viu.
Apesar da boa bilheteria, o bom texto e o profissionalismo da concorrência contribuíram para o retumbante fracasso da novela mexicana escrita nos terreiros dos acampamentos golpistas. Mesmo sem apoio dos figurantes contratados para a segurança do set, a força, a coragem e a união dos diretores oposicionistas geraram um final surpreendente e definitivo para o folhetim bolsonarista: O golpe acabou por falta de golpistas. Boa parte continua presa. O restante, inclusive os mentores, os falseadores e os imbrocháveis, não perdem por esperar. É a velha história de cair do cavalo. E caíram feio. Alguns lunáticos ainda esperam o mito retornar de Marte. É assim que vivem os sem cérebro.
Somente esses continuam acreditando que os patriotas que protagonizaram o vandalismo estavam na Esplanada dos Ministérios por acaso. A invasão foi planejada. Havia comando superior. De cima para baixo, a ideia do golpe estava pronta e obviamente contou com “afagos” das forças de segurança do Distrito Federal. Considerando que até os cercadinhos eram pagos com cartões corporativos, os bagrinhos travestidos de talibãs foram bem treinados e sabiam onde e como agir. Na melhor das hipóteses, a falta de ação é uma ação. O fato é que o feitiço virou contra o feiticeiro. O mal da grandeza separou a consciência do poder. E agora, Jair? O golpe não veio, a luz se apagou, a noite esfriou, o povo sumiu e você, que zombou dos outros, terá de se explicar. Acabou o Carnaval. Com sua fantasia de xerife togado, Xandão o aguarda na dispersão. Comece a costurar uma nova fantasia, pois a de político certamente não lhe caberá nunca mais.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978