Curta nossa página


Ovo da serpente eclode hienas

Lapso temporal fragiliza Lula e messiânicos ocupam o governo

Publicado

Autor/Imagem:
José Seabra, Diretor-Editor - Foto Lula Marques

Para não dizer que não falei de flores, como entoei compondo uma jovem irmandade que seguia Geraldo Vandré e outras figuras progressistas nas viradas das décadas de 60 e 70 do século XX, por muitos anos seguimos contra a correnteza na esperança de que, com a terceira volta de Lula,  a equipe palaciana tomasse as cautelas necessárias com os messiânicos de plantão. Se falta pessoal para dar conta do serviço, que nomeiem pessoas de confiança para os cargos em comissão que ainda estão abundantemente vagos. O que não se pode permitir – como já se fala a boca pequena – é que o presidente da República sofra pequenos mas constantes lapsos temporais. Enquanto isso, o bolsonarismo vai se incrustando cada vez mais em cargos-chave do governo.

A Lava Jato, no seu cerne, era recebida no próprio meio político como um corte na carne para a exigida extinção da corrupção no Brasil. Assim, instrumentos como a Estratégia Nacional de Combate a Corrupção e a Lavagem de Ativos (Encla), foram utilizados para justificar a inclusão de medidas como a “plea bargain” introduzida no Brasil em 2013 como colaboração premiada que rapidamente recebeu o carimbo de delação. Vale ressaltar que o modismo anticorrupção fora inaugurado na então Encla com o acréscimo de mais um C por proposta da Polícia Federal, que mudaria suas Delegacias de Combate aos Crimes Financeiros (Dlefin) para o Combate à Corrupção (Delecor) em 2007, na gestão de Luiz Fernando Corrêa como Diretor Geral da Polícia Federal.

Contudo, este canto da sereia, sedutor e atrativo, mas perigoso, como não fora abordado com o devido cuidado, desandou para conspirações entre um magistrado com anseios políticos e parquets gananciosos que lucrariam “combatendo corrupção” corrompendo os instrumentos das conhecidas delações premiadas onde delegados e delegadas induziam presos a acusar políticos para que fossem soltos, criando um arcabouço burocrático que poderia levar qualquer um à prisão e, principalmente, criminalizar a política dando espaço ao armamentismo e discurso de ódio.

Falta de aviso não foi. O então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, hoje defenestrado das hostes petistas, reclamava muito de pressões de ambos os lados para que as investigações seguissem este ou aquele modelo. Assim, como na ocasião de sua ascensão no governo Erundina, acabou por deixar afundar outro governo de uma primeira mulher no poder. Enfim, as reclamações eram procedentes, pois, como se viu na conhecida “Vaza Jato”, não era prudente deixar que investigações de fatos ocorridos em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília fossem realizadas junto ao cooptado por interesses nada republicanos com sua equipe em Curitiba.

Já dissemos aqui e repetimos. Desde 2007 que apenas um décimo dos delegados federais têm acesso aos cargos de confiança, criando uma bolha de poder que só entra quem for recrutado. A roda gigante até gira entre um diretor e outro, mas os contemplados só trocam de lugar entre superintendências, adidâncias e diretorias, como uma profissional do sexo troca de calcinha entre um e outro cliente. Não faltam voluntários para pisar em quem ser pisado para entrar neste timaço. E não importa quem seja o governante, da esquerda à extrema direita. Basta o discurso de que “sou técnico e não político” ou “somos um órgão de Estado” para a retórica superar o que se espera do pragmatismo da realpolitik e pôr em cheque a própria sobrevivência política.

Logo, a conjuntura inaugurada em 2007 permanece com poder suficiente para induzir as mudanças necessárias para que tudo permaneça como sempre conforme sugerido pelo príncipe de Falconeri. Teremos uma nova Lava Jato? Não podemos esquecer que em 1990, Fernando Collor extinguiu seu órgão de informações (SNI) e deixou o país vulnerável a ameaças internas e externas, o que inclusive contribuiu para sua derrocada. Posteriormente, em 1995, o presidente Fernando Henrique Cardoso criou a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), que é o atual órgão responsável pela inteligência do país. O SNI foi um órgão sem corpo próprio, onde militares selecionados executavam as ordens para espionar os inimigos do regime. A ABIN criou um quadro próprio de oficiais e agentes de inteligência, seguindo uma doutrina mais republicana. Seus servidores de carreira almejam dirigir o próprio órgão, criticando as nomeações de delegados federais. Mas como em todo cesto sempre há uma fruta podre…

Lula que me perdoe. Meus cabelos são mais brancos do que os dele, muito ralos, enquanto minha cabeleira é farta. Governar é fazer política, não politicagem. O presidente não precisa ser draconiano. Mas não pode, como sustentam próceres do partido que lhe dá sustentação maior, deixar um assessor direto no cargo até que se prove inocência. Se o problema é manter uma base aliada no Congresso, tira-se a maçã podre ao primeiro exalar acre, e pede-se um substituto. O que não pode é Lula entregar-se ao Alzheimer enquanto um Ovo da Serpente passa por um processo de metamorfose que, ao invés de eclodir cobras venenosas, lançará nas entranhas do governo hienas com sotaque americano sedentas de sangue verde. O que mais existe em seu entorno é gente fiel. Basta olhar em volta, antes que uma nova lava jato ou uma Dilma Dois tome as ruas sopradas pelo vento golpista, marca registrada de serviçal que só pensa nele mesmo.

Em síntese, para mudar o Brasil ao seu modo e como o povo espera, Lula precisa recuar 20 anos no tempo. Caso contrário, a coisa desanda. Ele está mais experiente, é verdade. É preciso, porém, um pente-fino para quem vive crises pontuais de Alzheimer, por imaginárias que sejam. Deixar chocar o Ovo da Serpente, como o presidente está deixando, é o mesmo que jogar a toalha. E isso ninguém de bom senso quer.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2024 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.