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Ogunhêhêhêhê

Ainda é hora de saudar Jorge, Guerreiro da feijuca

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Domingo (23) foi dia de Jorge. Hoje (25) é dia do amor. Então, brasileiros e brasileiras, espalhem o amor e a ternura, porque de dor, ódio e sofrimento o Brasil já está cheio. E como dizia Jorge Maravilha, os alquimistas já chegaram. Com eles, o Brasil voltou a sorrir. Salve simpatia está de novo na área. Que pena, mas, como Errare humanum est, o eleitor mandou o Brother cantar em outro terreiro. O mito de Madureira atendeu o apelo de Bebete vãobora e preferiu chover em outro telhado. Pois bem, domingo foi do nosso glorioso São Jorge, o Jorge da Capadócia, o santo homenageado dia sim e outro também por Jorge Ben (não gosto de Ben Jor), o menestrel do Rio Comprido. Soldado romano no exército do imperador Diocleciano, São Jorge é adorado como mártir cristão e um dos santos mais venerados no catolicismo, na Igreja Ortodoxa, na comunhão Anglicana e, como já dizia Charles Anjo 45, nas curimbas do Rio, da Bahia, do Rio Grande do Sul, do Maranhão e de outros estados brasileiros, além de Brasília, nas quais o sincretismo religioso o associa ao orixá Ogum.

Essa associação decorre de elementos como a batalha, a espada e a coragem. Atrasei na homenagem, mas, mesmo longe, imaginei a cidade do Rio de Janeiro amanhecendo ensolarada para homenagear Jorge da Capadócia. Embora seja crime, logo às 4h da madruga soltaram o primeiro balão. Às 5 da matina, muitos fogos e tiros, lembrando a entrada de uma grande escola de samba na Marquês de Sapucaí ou uma daquelas intermináveis guerras de facção nas ordeiras comunidades da Tijuca, Rio Comprido, Grajaú, Andaraí, Lins de Vasconcelos, Piedade, Bangu, Realengo e Campo Grande. Nada disso. São os devotos de São Jorge saudando Ogum numa linda alvorada. E quem não gosta que se recolha à própria intolerância religiosa. Aliás, ela (a intolerância) começa a dar sinais às 7h, quando, nas redes sociais, pululam gritos do tipo mariposas arrependidas.

É o coro comendo na internet. De um lado, os católicos reclamando que São Jorge não é nem nunca foi Ogum. De outro, os evangélicos mais radicais gritavam das janelas que tudo isso é coisa do diabo. Pior são as “mães” e “pais” de Pets ensandecidos com o espocar dos fogos da alvorada. Só os umbandistas giram de um lado para o outro como se nada estivesse acontecendo. Jorge é o que importa. Foi preciso a intervenção de Jorge Ben, primo irmão do Ben Jor, para acalmar os ânimos: “Estou vestido com as roupas e com as armas de Jorge/Armas de fogo meu corpo não alcançarão, espadas, facas e lanças se quebram sem o meu corpo amarrar/Salve Jorge, perseverança/Ganhou do sórdido, do fingimento e disso tudo nasceu o amor”. O bicho começa a pegar por volta das 9h.

Feijoada na lenha, cachorros inconformados com os fogos, um monte de erês chorando por causa do pula pula e do escorregador e, no alto falante no volume máximo, o mestre de cerimônia anuncia a chegada de uma caixa d’água azul piscina abarrotada de Brahmas enviadas pela Antarctica, Schincariol e Itaipava. É um estoque suficiente para meia festa. Certamente a turma precisará de reforço da Malt 90. Às 13h mais um princípio de confusão. Novamente os evangélicos, pussessos (com u mesmo) com o barulho e com a fumaça da lenha atingindo a roupa na corda, ameaçam chamar a puliça. Não precisou porque Mestre Zé, o chefe da comunhão jorgiana, era meganha, flamenguista e devoto, ao mesmo tempo, de São Jorge e de São Judas Tadeu. Tudo em casa. Feijuca pronta, às 14h10, o trem descarrilou de vez. Separando o prato do santo, Mestre Zé ordena que todos tirem o boné do Mengão, os óculos escuros do Camelódromo da Uruguaiana e ensaia o grito de guerra: Ogunhêêêêêê.

Parecia coro do Maraca. Da ponta da porta da cozinha não dá para vislumbrar o fim da fila indiana. Feijuca servida, surgem os primeiros acordes do pagode. Na mesa comandada por Zeca Pagodinho, Dudu Nobre e Xande de Pilares, tem gente de todo tipo. São bicheiros, policiais, bombeiros, milicianos, vereadores, deputados estaduais e federais, a turma do movimento fumacê e, claro, as moças bem aventuradas, as desventuradas e as acima de qualquer suspeita. Por dever de ofício, as infiéis foram barradas na portaria central. O sururu ficou feio próximo das 19h. Todo mundo bêbado, esqueceram dos fogos finais. Ruim de mira, sem querer Mestre Zé soltou o último morteiro na direção da casa da vizinha evangélica preconceituosa, “mãe” de Pet e amiga de pastor miliciano. Novamente Jorge Ben teve de recorrer a Jorge de Capadócia e ao síndico Tim Maia para evitar uma confusão entre igrejas. A paz voltou a reinar somente às 20h, ocasião em que Mestre Zé bateu à porta da tal vizinha com uma panela cheia de feijoada.

Evangélica de corte e costura, a moça voltou a criticar o santo, mas não deixou de salivar com o cheiro do feijão. Afinal, quem abriria mão que também é abençoada por todos os santos, inclusive por São Malafaia e São Edir. Nos agradecimentos a Ogum, pediram empregos para os maridos ociosos, força para Luiz Inácio, coragem para Xandão, prisão para Trump, punição para o fujão, bênçãos para os filhos que, em breve, farão a prova do Enem e vida longa para os moradores da Vila da Paz, os quais, finalmente unidos, já começam a pensar nos festejos juninos. No fim do furdunço, muitas juras, trocas de afagos e brindes com o que sobrou da Malt 90. Abraçados, Pagodinho, Dudu Nobre e Xande de Pilares pediram para que Jorge da Capadócia ajudasse Mestre Zé a incorporar o espírito de Jamelão e, ali mesmo, solfejaram as primeiras notas do enredo da Unidos do Brasil. O tema é simples e muito atual: Viva a democracia que o mito não conseguiu destruir.

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