Curta nossa página


Piscina, buraco, bueiro...

Cai-Cai, o desastrado, era vítima até de desmaios

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez/Foto Irene Araújo

Aquele menino era tão desatento, que vivia caindo. Não que fosse bambo das pernas, mas descuidado com os perigos ao seu redor. Seu nome? Bem, isso não é relevante saber, pois todos o conheciam pelo apelido, que virou praticamente seu nome de batismo: Cai-Cai.

Histórias sobre o moleque não faltavam. De tantas que o povo contava, talvez uma ou outra fosse aumentada ou, pode ser, inventada. A despeito dos floreios, era certo que Cai-Cai possuía algumas cicatrizes espalhadas pelo corpo franzino, contudo resistente, tamanho o número de tombos, pancadas e até desmaio numa piscina. Desmaio? Então, esse garoto deveria ter algum problema de saúde, alguns poderiam afirmar. Que nada!

Apesar dos pontos na testa, nos joelhos, nas mãos, no queixo, Cai-Cai, quase sempre, tinha um anjo da guarda por perto. Seu irmão, o Josenildo, praticamente três anos mais velho, o que lhe garantia uma boa vantagem na altura, quase dez centímetros.

Para começar, vamos ao caso do desmaio na piscina. Dizem por aí, pelo menos é como eu ouvi, que lá estavam o Josenildo e o Cai-Cai num clube pelas bandas de Goiás. Os meninos, como duas piabas, aproveitavam aquele mundaréu de água. Josenildo, sempre metido, quase gritava que era o maior nadador do mundo. Batia no peito, soltava um grito de Tarzan e lá ia mergulhar atrás de uma pedrinha bem no fundo de azulejos azuis. O irmão mais novo fazia o mesmo.

Cai-Cai sentia orgulho do irmão. Até que surgiu um rapaz, quase homem formado, que se sentou na beira, as pernas entrando aos poucos na piscina, como se estivesse tomando coragem para encarar a água gelada. Nisso, Josenildo, do alto de tamanha confiança, lançou um desafio ao tal rapaz.

– Quer apostar uma corrida?

O rapaz, a princípio, não deu muita trela pro Josenildo. Todavia, diante da insistência do menino, o quase homem formado aceitou. O combinado foi atravessar a piscina ida e volta. Enquanto os dois competidores foram para as suas marcas, o Cai-Cai, alheio a tudo isso, continuava sua interminável busca de pedrinhas no fundo.

A largada foi dada, Josenildo, apesar de menor em tamanho, parecia um gigante diante do seu adversário, que batia freneticamente braços e pernas. Com pequena vantagem na virada, o rapaz, a poucos metros da linha de chegada, sentiu que havia batido em algo. Parou quase instantaneamente, enquanto Josenildo o ultrapassou e venceu a contenda.

O medalhista sem medalhas para ganhar ainda comemorava, quando, então, percebeu que o seu adversário estava submerso, talvez em busca de uma pedrinha. Ele até riu, pois imaginava que aquilo era brincadeira de criança. Até que, assustado, Josenildo constatou que o quase homem emergiu carregando o Cai-Cai nos braços.

O que teria acontecido? A verdade, segundo dizem, é que no exato momento em que o rapaz nadava, eis que o Cai-Cai veio à tona e, sem querer, acabou sendo atingido por um quase soco. Desmaiou, foi ao fundo, depois foi salvo pelo mesmo indivíduo que há pouco o havia nocauteado.

Outra história talvez pareça ainda mais fantasiosa. Que seja assim, então. Mas vale contá-la. Essa, aliás, soube através de uma quase testemunha ocular. Exatamente isso! Quase, já que a distância do local do fato comprometia ainda mais a já péssima acuidade visual, sem contar a avançada miopia da velha Neide.

Josenildo, além de campeão de natação, era o maior soltador de pipa da quadra. Há os que afirmam que os outros meninos não se atreviam a subir suas pipas enquanto o guri estivesse empinando a sua. Era corte na certa! Cerol!

Pois bem, lá estava o Josenildo soltando pipa, quando sentiu uma vontade inegociável de ir ao banheiro. Sem tempo para recolher tanta linha, passou o comando para o Cai-Cai. Este, todo orgulhoso, se sentiu o maioral. O irmão mais velho correu o mais rápido que pode para casa, que ficava logo ali.

Inebriado pela pipa lá no alto, Cai-Cai brincava com manobras pra cima, pra baixo, pro lado, enquanto ia dando uns passos para trás. Não viu um buraco logo atrás de si. Caiu que nem um abacate maduro. Não se sabe se bateu a cabeça ou se foi susto, mas o menino desmaiou.

Depois de satisfazer suas inadiáveis necessidades fisiológicas, eis que o Josenildo surgiu. Mas cadê o seu irmão? Nada do Cai-Cai por ali. Será que ele se cansou de esperar? Mas algo deixou o Josenildo com a pulga atrás da orelha. É que a sua pipa continuava lá no alto.

Josenildo teve a ideia de seguir a linha. Ele apontou para a pipa e foi descendo o dedo até que, finalmente, encontrou o irmão dentro do buraco. Apesar da queda de quase dois metros, Cai-Cai ainda mantinha a linha na sua mão esquerda. Foi preciso chamar o pai dos meninos para tirar o desastrado de dentro daquele buraco. No entanto, apesar da queda, Cai-Cai teve sorte de ter caído em cima de um colchão, o mesmo usado pelo mendigo Adalberto, que, de vez em quando, aparecia por ali.

Vamos, então, para a terceira, mas não última história sobre o Cai-Cai. Essa, aliás, teria acontecido num dia de muita chuva. Mas chuva de verdade, dessas que faz até os mais corajosos tremerem de medo.

O toró havia passado, mas todas as ruas ficaram alagadas. Josenildo e Cai-Cai resolveram sair um pouco, apesar da tarde já quase virando noite. Os irmãos corriam chutando as poças d’água, riam aos montes. Brincavam de pega-pega quando, de repente, o Cai-Cai desapareceu numa poça diante dos olhos aflitos do Josenildo. Este, sem tempo para pensar, meteu a mão naquela água barrenta e, puxando o irmão pelos cabelos, o salvou de se afogar num bueiro.

Obviamente que ouvi muitas outras histórias sobre o Cai-Cai, mas talvez você, que chegou até aqui, me ache um mentiroso. Além disso, devido à minha avançada idade, que já passou dos 80 no último janeiro, prefiro manter a minha reputação de amigo da verdade ou, ao menos, um conhecido dela.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2024 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.