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Misericórdia, doutores

BRB gasta milhões e omite dados sobre Loteria Distrital

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José Seabra - Foto Reprodução

Quando embarcou com destino à Índia por ordem de Dom João, em busca de especiarias e riquezas, principalmente ouro e prata, Pedro Álvares Cabral deixou Lisboa comandando sua Anunciação, seguida por outras caravelas. Era uma aposta alta. Já havia, então, jogos lotéricos em Portugal. Mas a aventura marítima deu zebra, tormentas violentas desviaram a frota, e muitas das naus naufragaram antes da primeira semana.

Ao fim e ao cabo, dos 1 mil 500 homens embarcados, apenas cerca de 500 desembarcaram em Porto Seguro para respiraram novos ares. Uma das tragédias para lembrar as trapalhadas dos portugueses, é cantada em verso e prosa por Ary Toledo: já a 50 quilômetros da costa, o barco encalhou em um mar de sargaços. E desceram 400 marinheiros para empurrar a caravela, mas morreram afogados por não saber nadar.

Aquela histórica aventura que trouxe Cabral às terras tupiniquins, repete-se 520 anos depois, ataboalhadomente e de forma inversa pelas asas da TAP e dinheiro do Banco de Brasília. Se Ary Toledo é citado logo acima, cita-se aqui Silvio Santos: o BRB topa tudo por dinheiro, inclusive confrontando a a lei e usando recursos públicos.

A história é longa e já teve alguns trechos contados em Notibras. Mas, quando se imaginava que, por ordem do Tribunal de Contas do Distrito Federal parou tudo, eis que aparece uma nova ponta no fio da meada. No dia 14 de abril, o TCDF proibiu, em caráter liminar, que o banco ou seus gestores mantivessem tratativas com a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, que explora jogos de azar bem antes da chegada de Cabral às costas brasileiras.A parceria pretendida, já praticamente descartada, visava o lançamento da Loteria Distrital, aprovada pela Câmara Legislativa no ano passado.

Vislumbrando muito dinheiro, o BRB contratou um estudo de viabilidade técnica ao BTGPactual. Valor da pesquisa: 2 milhões 500 mil reais. São 10 páginas onde constam textos superficiais e muitos gráficos. O estudo, a pedido do banco, deixa claro, sem maiores explicações, que os parceiros devem ser buscados no mercado internacional, mas com direito a explorar loterias em todo o País, contrariando a lei que garante à Caixa Econômica hegemonia nesse campo.

Dos potenciais investidores, além de não poderem estar atuando no mercado brasileiro, seria exigida a apresentação de alguns requisitos, como serem membros do World Lottery Association, experiência e conhecimento técnico em três ou quatro tipos de loterias, e, operadoras ou provedoras de loterias, em suas diferentes formas de exploração.

Quando todo esse labirinto supostamente manipulável foi revelado em reportagens de Notibras, o conselheiro Inácio Magalhães Filho, do Tribunal de Contas do Distrito Federal, decidiu parar a roleta que estava em jogo. E cobrou, em seguida, uma série de esclarecimentos ao BRB e à Casa Civil do Governo do Distrito Federal.

O conselheiro foi mais além: o banco e seus gestores estavam proibidos, até a prestação de informações, da manter contatos com a Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, por quaisquer meios. Estranhamente, porém, 15 dias após o processo ser aberto, o presidente do BRB Paulo Henrique Costa, viajou a Portugal. Notibras está colhendo provas acerca da real motivação da viagem.

O BRB decidiu recorrer da decisão proferida pelo conselheiro Inácio Magalhães. E embora tenha em seu quadro juríidico pouco mais, pouco menos, de 40 advogados, contratou os serviços do escritório Pinheiro Neto Advogados, de São Paulo. Trata-se de uma das mais conceituadas e mais caras bancas de advocacia do País. De posse de alguns documentos, Notibras pediu ao BRB esclarecimentos sobre o contrato de defesa.

Eis a resposta: O BRB informa que segue todas as recomendações de órgãos de controle e boas práticas de mercado para transações de M&A. Conforme fato relevante divulgado ao mercado, o Banco contratou o BTG Pactual como assessor financeiro para auxiliar desde a avaliação do cenário até a aprovação regulatória, conduzindo, assim, todo o processo. Cabe ao assessor contratado coordenar toda a estruturação, inclusive a contratação de serviços jurídicos se necessário.

O ‘assessor’ contratado, é o BTGPactual. Porém, na clausula do acordo entre as partes, lê-se, em letras nítidas, que o ‘assessor’ , por meio de seus diretores e funcionários, não expressam nenhuma opinião, nem assumem qualquer responsabilidade pela suficiência, consistência ou completude de qualquer (sic) das informações aqui apresentadas, ou por qualquer omissão com relação a esta apresentação. Nenhuma das pessoas mencionadas neste parágrafo será responsável por quaisquer perdas ou danos de qualquer natureza que decorram do uso das informações contidas neste documento, ou que eventualmente sejam obtidaas por terceiros, por qualquer outro meio. O BTGPactual não assume responsabilidade em atualizar, revisar, anular ou retificar esta apresentação em virtude de qualquer acontecimento futuro. O BTGPactual não assume responsabilidade pela conclusão das operações descritas neste documento e seu conteúdo não deve ser interpretado como aconselhamento financeiro, fiscal ou jurídico.

Os outorgados nomeados no presente substabelecimento poderão agir somente enquanto integrarem ao ESCRITÓRIO PINHEIRO NETO ADVOGADOS, considerando-se automaticamente revogados, independentemente de qualquer notificação, os poderes daqueles que, por qualquer motivo, deixarem de integrar o referido escritório. Brasília-DF, 04 de maio de 2023. HELLEN FALCÃO DE CARVALHO-Diretora Jurídica do BRB-25386 OAB/DF

Jurídico. Esta a palavra-chave. O BTGPactual, nos termos do contrato (salvo cláusula de confidencialidade embutida no acordo) não responde pelo que aconteça desde a apresentação do projeto contratado. É aí que entra o Escritório Pinheiro Neto. Seus advogados atuam no TCDF com procuração outorgada pelo BRB, assinada por sua diretora jurídica Ellen Falcão de Carvalho. Vê-se, assim, que há alguma coisa estranha no ar, diferente daquelas gaivotas que anunciaram a Cabral terra à vista. Até porque, salvo prova em contrário, Pinheiro Neto não está em liquidação. E não vende, portanto, seus serviços a preço de banana.

Ellen Falcão de Carvalho (e não o BTGPactual) subestabeleceu poderes ao Escritório Pinheiro Neto para acompanhar a decisão do TCDF de suspender a contratação da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa para a exploração, junto com o BRB, da Loteria Distrital. Tanto é, que advogados daquele escritório assinam uma petição onde se lê, logo na primeira linha, que o BRB, devidamente qualificado nos autos (…) vem requerer a concessão adicional de prazo de sete dias (…) dada a complexidade dos fatos.

Se forem sete dias úteis, o prazo de apresentação da defesa acaba esta semana. Depois os conselheiros analisarão o processo individualmente. Depois vai a plenário. Depois sai a decisão final. Depois a gente ficará sabendo se terá bacalhau com vinho. Deve, portanto, levar tempo. Talvez por isso a procuração outorgada ao Escritório Pinheiro Neto tenha validade até o dia 24 de novembro de 2023.Até lá, como diria Ivon Cury, muita gente vai morar em pensão comendo no almoço e no jantar, só feijão.

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