Curta nossa página


Estelionato Amoroso (I)

Arnaldo, galanteador, começou pelo obituário

Publicado

Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Reprodução

Mesmo o enorme espelho do quarto era incapaz de captar tamanha soberba. Aquele homem de beleza algo acima da média sorria todos os sorrisos possíveis. Os ângulos eram caprichosamente observados, como se Arnaldo não os conhecessem de cor desde sempre.

Aos 47, lutava contra a balança quase diariamente para manter os exatos 82 kg distribuídos em 1,78 m, que se transformava em algo pouco além de 1,80 por conta das palmilhas especiais. Um charme, diria boa parte das mulheres do Distrito Federal. E como falava bem, tal qual conhecesse assuntos diversos, dos mais simples aos mais rebuscados. Não que isso fosse necessariamente verdade. Todavia, diante daquele rosto tão distinto, como alguém poderia desconfiar?

Arnaldo, sentado à mesa na sacada, observava com atenção o obituário do jornal. Aliás, um hábito que herdou de sua falecida avó, mas com intenções diversas. Enquanto a finada tinha lá seus costumes mórbidos, Arnaldo buscava viúvas desamparadas e endinheiradas. Um cafajeste, alguns diriam. Entretanto, o gajo tinha lá uma boa desculpa para tal intento: “Eu ofereço meus serviços de qualidade em troca de alguns mimos. Nada mais do que meros mimos.”

Não por acaso, a desamparada Ruth, viúva recente do finado Alberico, se sentiu compelida a retribuir tamanha devoção com um Rolex. Não que o Arnaldo tivesse pedido algo em troca de tantos afagos, beijos e carícias. Ele simplesmente não pode dizer não àquela mulher de duas dezenas de anos mais vivida. Ademais, o que era um Rolex diante de tamanha fortuna herdada por Ruth? Uma ninharia, creio que todos concordariam.

Arnaldo sorriu diante do anúncio do falecimento de Afrânio Barreto, conhecido empresário do ramo de calçados. A viúva, Sarah, convidava para a despedida repentina do saudoso marido, que mal havia completado 70. O velório e o enterro seriam naquele mesmo dia, ali no cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul.

Diante de tais informações, ele fez uma breve busca na internet e, depois de fazer algumas anotações, tratou de se arrumar, pois o espetáculo estava próximo a começar. O arremate final foi justamente o caríssimo relógio dourado, tão bem ajustado no pulso esquerdo da ave de rapina.

Na quarta, 17, o capítulo II

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2024 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.