Controle da torneira
Sonho de poder de Lira pode acabar com tropeço na esquina
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emNadando contra a maré, mas disposto a recuperar o protagonismo político perdido com a péssima gestão de Jair Messias, o presidente Luiz Inácio tem usado o varejo do Congresso Nacional, particularmente da Câmara dos Deputados, para negociar propostas de interesse do governo, consequentemente do povo brasileiro. O problema é a herança deixada por Bolsonaro, que repassou ao Legislativo a tarefa de governar. A maioria de suas excelências gostou e não quer largar o osso. Esquecendo que foram eleitos apenas para legislar, nossos ciosos e operantes parlamentares agora se acham no direito de brigar individualmente por um cascalho a mais. Ou seja, pelo menos na Câmara, cada deputado se transformou em uma ilha.
São 513 ilhas. Nelas, a começar pelo “dono” do pedaço, o governo só vai colher se doar um pedacito da gleba. Se não der, nada feito. Foi assim com o arcabouço fiscal e com a MP da reestruturação dos ministérios. Pagou, aprovou. A aprovação dessas duas matérias mostrou que, muito mais do que Casa de Mãe Joana, a Câmara virou um mercado livre, algo parecido com uma feira de trocas. Caso alguém entenda que estou errado, atire todas as pedras retiradas dos escombros do Supremo, do Planalto e do Congresso. Só não esqueçam do entulho que faz parte desta legislatura, a 57ª da história da Câmara. Dr. Ulysses Guimarães tinha razão quando dizia que o Congresso que sucede aquele que a gente criticava será sempre pior. Que previsão macabra. Tão macabra que, com vergonha dos políticos do seu tempo, o Sr. Diretas Já partiu, mas não permitiu que seu corpo fosse encontrado.
A fragilidade pode ser temporária e as derrotas pontuais. Tudo isso pode ser – e é – resquício da gestão anterior. Entretanto, o tempo entre as perdas e a recuperação custará muito caro aos cofres públicos. Nobre Luiz Inácio Lula da Silva, acho que colocaram sua inteligência à prova. Seus eleitores aguardam uma resposta rápida. O resultado das últimas votações e o decorrente desgaste político são consequências óbvias da falta de articulação com os assanhados e mercantilistas congressistas. Isto quer dizer que a Presidência da República não é para amador, como foi aquele mandatário que o Tribunal Superior Eleitoral deve jubilar do cenário político em breve.
Resumindo a prosa, meu prezado presidente, governo não é companheirismo, tampouco amizades coloridas. O buraco é bem mais embaixo do que imaginam os aventureiros. Reencarnado pela terceira vez, aventura parece não ser o seu caso. Então, meu bravo e astuto presidente, governe com profissionais. Se cerque de homens e mulheres capazes de dar conta do recado. Até agora, seis meses após a posse, de que adiantaram os amiguinhos aqui e acolá? O trabalho e os problemas foram bem maiores do que os dividendos políticos. Como baratas tontas no tabuleiro de vatapá com leite condensado, a companheirada permitiu que o novo “latinfudiário” político do Brasil, o deputado Arthur Lira (PP-AL), desse as cartas sem os coringuinhas e os coringões.
Disposto a montar sociedade com Lula na gestão da nação, o coronel das Alagoas luta para ter o controle da torneira da bufunfa. A conta ainda está próxima do vermelho. O que se sabe nos bastidores do mercado parlamentar é que já foram gastos mais de R$ 5 bilhões com emendas para “nossos” insaciáveis legisladores. O risco continua grande. Tanto isso é verdade que foi o próprio Lira quem alertou Lula a respeito da falta de articulação do governo. Fez pior. Travou a pauta do presidente até que os articuladores sejam mudados. Logo quem! Será que Luiz Inácio precisa mesmo dos ensinamentos de Lira?
Daqui a pouco os adversários começarão a dizer que, em terra de cego, quem tem um ovo é rei. Deus me proteja. Parece a profecia do Marquês de Maricá: “Quando defendemos nossos amigos, justificamos nossa amizade”. Enquanto não me provarem que Ulysses Guimarães sempre esteve errado, mantenho viva a tese de que os acontecimentos políticos humilham e desabonam mais a sabedoria humana do que quaisquer outros eventos do mundo, inclusive a invasão da Ucrânia pela Rússia. Embora frágil, minha esperança é que nunca é tarde para pegar uma velha história e escrever um novo final. Do tipo Lira, o insaciável, tropeça na próxima esquina.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978