Fábula da vovó
Carnaval fora de época engana e pode queimar quem pula datas
Publicado
emMinha avó possuía um nome relativamente esdrúxulo: Esther Stella. Além disso, ela adorava criar histórias, e eu, o neto mais apegado, adorava ouvir aquela voz tão doce. Apesar de tanta candura, diziam que ela era chegada a adivinhar o futuro. Hoje tenho quase certeza de que as pessoas estavam certas.
Pois bem, uma dessas histórias contadas pela minha avó era sobre um antigo reino. E, como todas esses contos de fada, também começava com o tradicional “Era uma vez…”. Por isso, deixemos as delongas de lado e vamos direto à tal fábula. E, por favor, imaginem aquela voz que me embalou por tantas e tantas vezes.
Era uma vez um reino bem distante chamado Brazília. Sim, Brazília com “Z”. E, como qualquer reino que se preze, possuía um rei. Todavia, não um rei alto, loiro, olhos azuis e lindo. Na verdade, era o oposto disso tudo, pois era baixinho, gordinho, zarolho e feio de dar dó. Seu nome? Enganeis I.
Aficionado desde sempre por circo, Enganeis I acabou se encantando por um velho palhaço chamado Bozo, que era casado com a dissimulada Micaela, com quem possuía duas filhas: as gêmeas Eva e Angélica. Como Enganeis I era rei, quis porque quis fazer uma festança em fevereiro e contratou os serviços do Bozo, que faria palhaçadas para os inúmeros convidados.
E eis que chegou o grande dia. Lá estava o Bozo, montado em uma motocicleta, passeando pelo enorme picadeiro instalado no gigantesco jardim do palácio rodeado de buritis. A cada manobra de Bozo sobre a tal motocicleta, Enganeis I gargalhava embriagado com as peripécias do motoqueiro, ao mesmo tempo em que devorava as empadinhas estrategicamente postas ao seu lado.
Após a festança, Enganeis I e Bozo ficaram cada vez mais íntimos. Tanto é que, já em junho, famoso mês marcado por festas que homenageiam ícones do catolicismo, como Santo Antônio, São João e São Pedro, aquela amizade ainda perdurava. Por isso, o rei resolveu atender o pedido das gêmeas Eva e Angélica, que não eram fãs de santos.
Por certo eram mais ligadas àquele dono de um rebanho que quebrava imagens santificadas. Dessa forma, Enganeis I, para agradar as duas meninas, decidiu fazer um baita carnaval, cheio de confetes e serpentinas. Fogueira que é bom, como reza a tradição, nada.
Acabou o carnaval fora de época, veio julho, agosto, setembro e todos os meses daquele longínquo ano. Depois aconteceu a famosa festa pagã do ano seguinte, até que chegou a Semana Santa. Aliás, nessa época, Enganeis I mandava abrir os portões para seus súditos.
A ralé, esfomeada que era, correu no rumo do grande lago repleto de lindas carpas coloridas. Aquele povo todo, no entanto, teve a maior decepção da vida. Os peixes boiavam mortos sobre as águas, que emanavam um cheiro de podridão. Enquanto isso, Bozo, Micaela e as gêmeas fugiam em uma luxuosa carruagem puxada por lindos garanhões brancos.
Curiosamente, a esposa do palhaço carregava uma sacola contendo 30 moedas de ouro. Quanto ao final, nem todos viveram felizes para sempre.