Alhos e bugalhos
Evite confundir o que não deve ser confundido
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emQuem nunca disse isso ou aquilo? Quem nunca confundiu alhos com bugalhos? Quem nunca confundiu a grande obra do mestre Picasso com a grande picanha do mestre de obras? Acho que todos os 203,1 milhões de brasileiros têm uma dessas histórias de confusão para contar. Eu tenho, e já contei algumas. É a tal da confusão mental. Para alguns, trata-se de gafes monumentais e imperdoáveis. Seja lá o que for, acabam virando histórias. E, pelo menos para mim, das boas. Lembro de dois ex-ministros da República que se notabilizaram por deslizes deliberados ou vacilantes.
Ex-titular da pasta dos Transportes, certa feita, em uma solenidade pública, o falecido Eliseu Padilha comparou o também falecido Pelé ao asfalto: “São dois pretos admirados por todo o Brasil”. E o que fez Antônio Rogério Magri, ministro da era Collor? Tentando justificar o uso do carro oficial para levar sua cachorra ao veterinário, ele não titubeou: “A cachorra é um ser humano, e eu não hesitei”. Pior foi Mário Amato, ex-presidente da Fiesp, buscando palavras difíceis para elogiar Dorothea Werneck, então ministra da Indústria e do Comércio: “A senhora é inteligente, apesar de mulher”.
Todos foram execrados, menos Marta Suplicy, que se popularizou após sugerir aos passageiros das companhias aéreas relaxar e gozar para enfrentar as dificuldades nos aeroportos do país. Quem também virou frasista de primeira hora foi o defuntado ex-deputado e ex-estilista Clodovil Hernandes ao recomendar sei lá a quem que o bom da vida é fazer algo por alguém que a gente gosta enquanto a pessoa estiver viva: “Mandar flores depois que ela morrer só dá lucro para a floricultura”. Trágico, mas tem pior. Sábio, embora pouco afeito a salamaleques, Aristóteles disse a um súdito que lhe visitou para entregá-lo um convite de casamento: “Casar ou ficar solteiro? Qualquer que seja a decisão, virá o arrependimento”. Dizem que o rapaz virou drag queen nas arenas de Roma.
Confusão tem vários sinônimos, entre eles escorregadela, falha, lapso, imprecisão e despropósito. Nada mais terrível quando a mancada é produzida contra um celibatário oficial ou gerada pelo próprio. Sempre no meu subúrbio do Rio de Janeiro, lembro de um desses fiascos (quase uma cagada) de um velho amigo no interior de uma igreja do bairro, onde, na capela externa, era velado o corpo de outro companheiro. Entupido até a alma de uma calibrina dita de alambique, o sujeito errou a porta, adentrou a casa de oração, dirigiu-se ao confessionário e, imaginando uma “casinha” (banheiro para os ricos), já de calças no joelho, quase “obra” no colo do sacerdote auxiliar que, desavisado, tirava aquela pestana de fim de missa.
Por pouco, muito pouco, o ajudante de vigário não acabou emerdalhado pelo mancebo. Ainda mais hilária foi a história de um padre recém-saído do seminário que chegou virgem (de celebrações) à paróquia do bairro vizinho ao do conto do vigário. Potencialmente tímido e bastante nervoso no primeiro sermão, foi aconselhado pelo arcebispo a colocar três gotas de vodka na água para relaxar. Até hoje não sei o que o pároco estagiário entendeu, mas o fato é que ele inverteu a ordem: colocou três gotas de água na vodka, pincelou açúcar e limão na borda do copo e, claro, a missa foi um auê.
Depois de confundir o manto da imagem de Cristo com guardanapo, o vestibulando paroquial trocou todas as bolas: rezou a missa sentado no altar, mastigou a hóstia como chiclete, os mandamentos e os apóstolos passaram a ser 12 e não 10, Judas sacaneou e não traiu Jesus, incluiu Tiradentes na história da Bíblia, abraçou a imagem de Nossa Senhora, convocou as beatas para um trenzinho enquanto um fiel cantava um hino de louvor e jurou que Jesus, nascido em Belém, era paraense nato. Não fosse o acudimento do padre auxiliar, a confusão teria virado caos quando o padreco, sem as cuecas, resolveu abanar-se com a batina. Após 45 minutos de celebração, o tempo fechou depois do décimo terceiro gole na caipirinha de última hora.
Sem saber nem onde estava, o moço se dirigiu a um cidadão sentado no canto do altar como travecão de vestido. Era o arcebispo. Como em briga de saci qualquer chute é uma voadora, acho que o superior mandou o estagiário direto para o Vaticano, onde deve estar empurrando a cadeira do papa Francisco. Também largou a vodka e agora só bebe vinho portenho avinagrado. Coitado do Hermano Francisco. Não faz muito tempo ele teve de consertar uma bruta confusão na política brasileira, mais precisamente nas eleições de outubro. Da Basílica de São Pedro, o papa precisou intervir em uma sessão eleitoral da periferia de São Paulo, onde um eleitor de Paulo Maluf chamou a polícia depois de confundir o então candidato Padre Kelmon com um membro da Ku Klux Klan.