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Arte da enganação

‘Mito’ morde a língua e deixa escapar todas as suas falcatruas

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Mathuzalém Júnior* - Foto Antônio Cruz/ABr

Demorei para aceitar a tese de que uma expressiva parcela da população brasileira precisa ser estudada pela Nasa. É uma pena admitir isso, mas difícil acreditar que ainda há “patriotas” que questionam o trabalho voluntário. São aqueles que adoram financiar o mal, mas se insurgem contra os que se preocupam com o próximo, com os que fazem o bem. Coisas da intolerância e do ódio desse grupo. É o estranho desvio de conduta do “povo” que odeia o padre Júlio Lancellotti e todos os que doam roupas, comida, tempo e afeto para moradores de rua ou doentes em hospitais públicos.

São os mesmos que acham lindo ofertar R$ 17 milhões para um ex-presidente – hoje um encostado – que nunca ajudou ninguém. É a tal da incoerência, que, junto da falsidade e da hipocrisia, é facilmente identificada na discrepância entre as palavras e as atitudes. Ela é a arma dos detratores que, enquanto escamoteiam a verdade, fingem que são felizes e verdadeiros. Eis aí o cerne da questão. Eles pregam ser anticorrupção. No entanto, agem o tempo todo como fariseus. Se dizem defensores da lei, da moral e dos bons costumes, mas, com a naturalidade dos mentirosos, suas práticas são absolutamente contraditórias.

Por exemplo, como explicar um cidadão terrivelmente honesto aceitar R$ 17 milhões em doações para pagamento de multas, investir a grana ganha de mão beijada e não quitar as dívidas. Parece que o abençoado receptor gastou boa parte dessa ninharia com caldo de cana e pastel de calango. Disse isso publicamente e sequer ficou vermelho. Aliás, vermelho não é sua cor preferida. Ou seja, uma vez mentiroso, sempre mentiroso. Enquanto tinha poder, aquele falseador de paletó, gravata, coturno, baioneta e um monte de abobalhados seguranças ficava bravo e se fazia de vítima quando descobriam suas mentiras.

Nada de extraordinário, considerando que essa é a forma encontrada por esse tipo de pessoa para se proteger. São, além de mentirosos, covardes, pois não medem esforços quando o assunto é falcatrua. Sempre em benefício próprio, inventam e ocultam informações, pouco se importando com as consequências de suas escolhas. Esquecem, no entanto, que, via de regra, a mentira é uma desvantagem. Quando ela aparece, a confiança desaparece. Difícil explicar, mas, como a mentira tem pernas curtas, por que determinados seres humanos insistem em usá-las com referência de vida.

No livro “Quem é o mentiroso da sua vida”, Roberto Feldmann, professor de Psicologia da Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, afirma que normalmente uma pessoa conta três mentiras a cada dez minutos. Não é o caso da figura lembrada nesta narrativa. Sem preocupação alguma com a fama rocambolesca e odiosa que desenhou bem antes do poder, ele inverte a ordem e conta dez lorotas a cada três minutos. Às vezes, duplica, triplica e até quadruplica as inverdades no mesmo período. É capaz de atrapalhar as tentativas da mulher em se lançar como alternativa à sua inelegibilidade.

Coisas de quem só pensa no próprio umbigo. Azar de quem o aprecia como mito. É um recordista na arte da enganação. Foi eleito por conta disso, perdeu a reeleição em decorrência das falsidades que pregou e acabou jubilado da vida pública justamente porque não se lembrou das mentiras que produziu ou mandou alguém produzir. Ou seja, a ferida da mentira é de mão dupla e um dia acaba ferindo o mentiroso de morte. A bolada via PIX que o ele “investiu” em renda fixa é a prova de que, como disse um velho e já falecido compositor de Brasília, “tem bobo pra tudo”. Pelo menos, o tal cidadão foi correto com seus doadores: em recente evento protagonizado pelas mulheres do seu partido, agradeceu publicamente às brahminhas enviadas pelos patriotas de araque.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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