Censura literária
Política do Brasil vira filme pornô com trilha de Bossa Nova
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emNo melhor estilo do conservadorismo psicopático, ultrapassado, bronco e incivilizado e medíocre, o governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), por meio de sua Secretaria de Educação, ordenou a retirada de circulação de nove livros das bibliotecas das escolas públicas do Estado. Por conta da máxima do jornalismo, fui checar e constatei que na relação não há obras explícitas de saliência, incitadoras de violência, sobre cura gay, tampouco de apologia ao petismo, à inviolabilidade das urnas eletrônicas ou em defesa dos 44 milhões de torcedores do Flamengo, o maior clube do mundo. Satanizados, os livros vetados foram recolhidos a lugar incerto e não sabido.
Tudo como estabelece a cartilha vudu do bolsonarismo medíocre, retrógrado, ultrapassado e jubilado da vida pública. Na lista das publicações censuradas, não há citações às peripécias sexuais e atléticas de Carlo Zéfiro, mas apenas clássicos como Laranja Mecânica, de Anthony Burgess, Exorcismo, de Thomas B. Allen, e A química entre nós, de Larry Young e Brian Alexander. Trata-se, portanto, de uma grave, autoritária e antidemocrática censura oficial à literatura. Como disse o jornalista e cartunista Millôr Fernandes, o Brasil é um filme pornô com trilha de bossa nova. É a política brasileira no mais alto nível da imbecilidade humana.
Certamente o Estado de Santa Catarina carece de tantas coisas, mas o governador Jorginho Mello, um velho de cabelos coloridos de acaju, está preocupado em incinerar obras supostamente com pautas ideológicas. Ideológico é ele que, em lugar de trabalhar pelo povo catarinense, só pensa nos momentos felizes que passou ao lado de Jair Messias, o ex-presidente que a maioria dos demais governadores não quer ver nem a distância. Golpista enrustido, o tal cidadão presta mais um dos numerosos desserviços que o totalitarismo odioso do bolsonarismo prestou ao país durante quatro anos.
A ideia é antiga e remonta a janeiro de 2019, quando Jair iniciou o desgoverno do Brasil. Desde lá, a proposta é impedir o crescimento do poder de reflexão dos jovens leitores (e eleitores). Claramente, o Jorginho (que nunca será Jorjão) não tem qualquer preocupação com a construção de um conhecimento crítico e atual dos estudantes do Estado. É mais uma faceta da herança maldita do radicalismo rancoroso e desumano do conservadorismo tacanho enraizado em algumas regiões do país. São os remanescentes do grupo que tem dificuldade em aceitar o sucesso alheio.
Estimulado pelo mito farofeiro, o governador manezinho quer repetir a história do mestre do marketing nazista Joseph Goebbels. A ordem do discípulo de Hitler foi destruir pelo fogo todos os fundamentos intelectuais, tudo o que pudesse criticar o nazismo. Entre maio e junho de 1933, ocorreu na Alemanha o chamado Bücherverbrennung, que significa queima de livros. No período, foram queimadas 20 mil publicações, algumas verdadeiras obras primas. A maioria dos livros incinerados estava em bibliotecas públicas e era de autores considerados pouco alemães. Entre outras, também houve a queima de livros em Roma, ordenada pelo imperador Augusto no século XX a.C, com obras oraculares e proféticas.
Como se vê, a ideia de Jorginho Mello realmente é muito antiga. A novidade é ocorrer em Santa Catarina, um Estado historicamente de vanguarda eleitoral, mas que se rendeu ao radicalismo arcaico e fundamentalista do bolsonarismo. A parceria entre Jorginho e Jair é muito maior do que a censura a livros. A afinidade parece principalmente na forma de nomeações. A primeira filha da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro é lotada como assistente de gabinete na Secretaria de Articulação Nacional, Jair Renan, o 04, era (ou é) encostado no gabinete do senador Jorge Self (PL), aliado de primeira hora de Mello. Ou seja, como diz um amigo das redações, o Haiti não é mais, mas a Flórida do governador antibrasileiros Ron DeSantis é aqui. Em outras palavras, é Flórida.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978