Páginas viradas
Amor na melhor idade é mais saboroso que vinho envelhecido
Publicado
em– Para, Marcos! ‘Tá fazendo cócegas.
– Oxente! Vou ser médico, Betânia, e preciso sentir a sensibilidade do corpo humano.
– Oxe digo eu. Passar a mão assim no meu braço, sei lá onde isso vai chegar. E se você vai ser doutor, eu serei doutora advogada. E meto-lhe uma ação nas fuças por molestar-me.
Riram. Eram crianças. Tempos antigos, aqueles. O ano não se revela, para que não os vejamos como idosos. Mas por certo foi na época em que se colocava um plástico com cores variadas na tela do aparelho de TV, para ver imagens coloridas.
Os pais mudaram de cidades. Nunca mais se viram. Os sonhos, porém, foram realizados. Ele, médico conceituado em Alagoas; ela, uma respeitada advogada em Brasília. E longe do jardim da amendoeira da Rua Dona Rita de Souza, em Casa Forte, semearam amor e fizeram brotar seus próprios frutos.
Encontraram-se anos depois, já avós. E viúvos. Foi durante confraternização familiar no Recife de outrora.
– Bé, como você está bonita, disse o primo Marcos, beijando-lhe a face.
– Você, Marcos, sempre galante. Algum alquimista transformou aquele menino em um homem charmoso.
Braços entrelaçados, saíram os primos a passear pelos arredores.
Na Velha Recife agora metropolitana, o tempo parecia seguir um ritmo próprio, quem sabe preparando-se para receber os primos na melhor fase das suas idades. Marcos e Betânia carregam consigo histórias de vida marcadas por amores que deixaram saudades. Ele perdera sua esposa tempos atrás, enquanto ela enfrentou a solidão após a partida de seu esposo.
O destino, sempre caprichoso, trouxe-os de volta a um mesmo caminho quando os dois encontraram-se na festa de aniversário de um sobrinho em comum. Um reencontro marcado por risos nostálgicos, memórias compartilhadas e a descoberta de que estavam viúvos. A conexão parecia ressurgir como uma flor em meio ao inverno, desafiando as convenções sociais e emocionando quem os observava.
Na família e entre os amigos próximos a notícia do aquecimento da chama entre Marcos e Betânia espalhou-se rapidamente. Os dois, por sua vez, encararam os murmúrios e olhares curiosos com a serenidade que só a experiência de uma longa vida pode proporcionar. Decidiram que, depois de tantos anos compartilhando histórias familiares, seria a hora de criarem, juntos, algo tão doce quanto um conto de fadas.
Tios, primos, irmãos, sobrinhos e netos, inicialmente surpresos, começaram a aceitar a ideia e até mesmo a apoiá-los. Afinal, o amor na terceira idade é como um vinho envelhecido, mais valioso e saboroso. Aos poucos, todos começaram a perceber a beleza única desse capítulo que não pode e não deve ser considerado tardio, nas vidas de Marcos e Betânia.
O casamento, já marcado para março, promete ser uma celebração especial. Aliás, dois eventos. Um em Brasília, outro em Maceió, onde a agora tia-sogra recebe com flores a sobrinha favorita. Amigos e familiares, já emocionados, prometem testemunhar a união dos primos que, ao longo dos anos, tornaram-se cúmplices não apenas de saudades, mas de um novo começo.
A rotina do casal é traduzida como uma sinfonia de momentos simples, mas repletos de significado. Passeios na orla de mãos dadas, tardes de leitura compartilhada e jantares aconchegantes preenchem seus dias. Marcos e Betânia aprenderam a redescobrir o amor, agora tingido de uma ternura que só o tempo é capaz de construir.
Aos olhos dos mais jovens, eles são um testemunho vivo de que o amor não tem idade. À medida que os anos passavam, o mundo aprendeu a valorizar a preciosidade de um amor que floresce quando menos se espera, mostrando que a vida pode surpreender até os mais experientes.
Marcos e Betânia estão escrevendo juntos um capítulo inesperado em suas vidas, mostrando que o coração está sempre aberto para novas histórias, mesmo quando se tem muitas páginas viradas.
Três brindes. Um por Brasília, outro por Maceió. O terceiro é por minha conta, mas será lá em Casa Forte.