Coisa de bêbado
Jaime, filósofo de araque, explica origem do samba
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emJaime, quase mudo, mantinha-se calado no trabalho, nas reuniões de família, nas festinhas de fim de ano. Gostava de se manter distante das discussões, pois preferia a paz à discórdia. E assim se mantinha livre de agressões verbais de alguém com ideias divergentes, mas também não atraía olhares apaixonados por possíveis mentes sinônimas.
Aos 60 redondos, apenas duas coisas lhe transformavam num tagarela: bebida e botequim. Não um ou outro, mas um e outro. Somente essa combinação era capaz de tal façanha. Tanto assim, que Jaime arriscava teses filosóficas, algumas tão estapafúrdias, que fariam até mesmo um energúmeno ficar com um pé atrás. Só não ficaria com os dois porque, desse jeito, tombaria para frente e daria com a fuça no chão.
Uma das teses mais sem-noção foi a que Jaime tentou explicar naquele final de tarde no Boteco Benfica, famoso bar ali em Copacabana. Com um copo de chope na mão esquerda, Jaime ergueu a direita e afirmou com todas as letras: “O samba foi criado por um gaúcho que se chamava Castro!” Todos os pinguços presentes encararam o Jaime, que já estava pra lá de calibrado.
O filósofo de botequim pediu a atenção de todos, pois iria explicar. Entretanto, o que disse logo em seguida pareceu mais uma baboseira, como tantas outras que já haviam saído daquela boca. Deu um longo gole no chope, limpou o bigode com a língua, pousou a taça sobre o balcão.
– Pois bem, meus amigos! O Castro, lá no final do século XIX, estava batucando numa mesa, quando seus amigos, admirados, se aproximaram. Ali também se encontrava o Samuel, que todos conheciam por Sam. Curioso, ele perguntou para o Castro que música era aquela. O Castro, como todo gaúcho que se presa, respondeu: “Sam, bah! Sonhei com isso e gostei”.
Diante de tamanha asneira, o Boteco Benfica esvaziou quase que instantaneamente. Outra consequência dessa teoria estapafúrdia foi o cartão vermelho que o Jaime tomou imediatamente. Dizem que o gancho durou o verão inteiro.