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Valdete e o carnaval

Esposa traída cai na folia como nova Colombina

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção de Irene Araújo

Valdete havia se casado antes dos 16, quando acabou engravidando do primeiro namorado, Carlos. Já com os filhos criados, pensou até em arrumar um emprego, mas foi desencorajada pelo marido, que gostava de ser o provedor. No entanto, o salário era curto para atender até mesmo as necessidades básicas.

Questão de honra resolvida, Carlos sempre arrumava uma desculpa para suas escapadas. Não foi diferente naquela véspera de carnaval, quando ele disse que precisava viajar a trabalho. Valdete, talvez cansada do marido, gostou da ideia, mas fingiu tristeza.

– Você precisa mesmo ir, meu amor?

– Minha flor, o chefe pediu. E a gente está precisando dessa grana.

No sábado, a mulher acordou sozinha na cama. Abriu os braços, se espreguiçou toda, sorriu para o teto. Passaria um feriado sozinha. Nada de cozinhar, lavar, passar, varrer a poeira pra calçada. Aos 40, estava finalmente se sentindo um pouco livre, mesmo que tal liberdade tivesse prazo de validade.

Demorou a se levantar, até que sentiu vontade de ouvir um samba na voz da sua favorita: Beth Carvalho. Colocou “Vou festejar” e até arriscou uns passos, que resgatou das longínquas memórias de um antigo baile, quando não passava de uma menina espevitada ali mesmo em Madureira. Sambou!

No final da manhã, xícara de café na mão, foi olhar o movimento da rua. Algumas pessoas festejando, mas nada comparado às saudosas lembranças de Valdete. Bateu-lhe um sentimento de nostalgia, como se tudo no passado fosse melhor. Talvez estivesse certa, talvez fosse apenas o desejo de voltar a ter aquele corpinho de mocinha na flor da idade. Não que ela não fosse atraente, pois ainda sabia se fazer desejada.

Sentiu um pouco de fome, preparou um sanduíche de queijo e presunto. Entediada, largou quase metade no prato. Perambulou pela casa vazia. Sentou no sofá da sala, pegou uma das almofadas ao lado e, carente, a abraçou bem forte. Acabou por adormecer ali mesmo.

Valdete despertou com o som de pagode vindo da rua. Levantou e, descalça, caminhou até a janela, de onde pode vislumbrar um bloco de carnaval. Aqueles corpos felizes fizeram a mulher querer participar daquele cortejo. A dúvida, porém, a impediu por alguns instantes. Pois é, não demorou e lá estava a Valdete sambando toda sua alegria reprimida por anos.

Como o tempo voa quando estamos felizes, a noite logo chegou. O bloco ganhou vários outros adeptos, entre os quais o Luiz, homem forjado ali mesmo no famoso bairro carioca. Viúvo, desde então não conseguiu se firmar em relacionamento sério. Não que não quisesse, pois não gostava de ficar pulando de galho em galho. Mas as tentações eram tamanhas, que ele acabou se acostumando com a situação.

Lá pelas tantas, calhou daqueles dois se encararem. Valdete, a princípio, desviou os olhos, mas logo encarou aqueles olhos escuros do Luiz. Os dois sorriram, meio sem jeito, é verdade. Seja como for, não demorou e estavam dançando bem pertinho, pertinho até demais. Mas era carnaval e, por isso mesmo, estava tudo bem.

Não tardou e o “Deixa disso!” se transformou no “Que beijo gostoso você tem!” Terminaram a noite no pequeno apartamento do Luiz, onde se amaram até perderem as forças para mais uma roda de samba.

No início da tarde, Valdete, totalmente despida, despertou assustada, como se não se lembrasse de onde estava. Luiz, bem à sua frente, lhe trazia uma bandeja com café, leite, manteiga e algumas torradas. Ele sorriu, ela sentiu vontade de cair nos seus braços novamente. E foi o que fez, enquanto o café esfriava na bandeja ao lado.

Valdete e Luiz sambaram e se amaram em todos os dias de carnaval, até que, já na manhã da quarta-feira de cinzas, os dois se despediram. Promessas de que ainda se veriam, mas nem eles sabiam se seriam cumpridas. Ela voltou para sua casa, onde seu marido não tardou a chegar.

Carlos estava bronzeado, como se tivesse passado esses dias na praia. A esposa não pareceu ligar, talvez nem tenha percebido, pois seu pensamento estava envolvido nos braços de Luiz.

– Minha flor, que olhar mais triste é esse? Sentiu falta do seu Carlão?

– Você nem imagina o quanto, meu amor!

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