Sonho notúrnico
Minuta da vacina mela golpe e frustra o voo da águia
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emSonhei com picada de cobra cascavel, deu mordida de leão desdentado. Nada mal, apesar da vacina falsificada. Como o previsto, a conta está bem próxima do dez a zero. Pelo menos entendi que esse tal de sonho notúrnico nem sempre funciona. Tudo aconteceu na noite passada. Aguardando por boas notícias, dormi mais cedo e, antes de ferrar no sono, pedi a Padim Ciço Romão Batista para sonhar com um galo de campina preso na gaiola. Caboclo Senta a Pua intercedeu e fez melhor. Me levou a sonhar com um curió que se achava uma águia-de-cabeça-branca, mas deu o animal errado. E com a ajuda de João Brecha, o cara que supostamente inseriu os dados falsos no cartão fake de vacina.
Para ilustrar, a águia, também conhecida por pigargo-americano, é nativa dos redutos de Donald Trump, e, por isso, o imaginário voador brasileiro afrontava Deus, o mundo, os avestruzes fardados e até o touro indomável que só atua dentro das quatro linhas. Diga-se de passagem, o guardião das quatro linhas é aquele recinto que as crias da águia um dia chegaram a achar que um cabo e um soldado seriam suficientes para gradeá-la. Só sossegaram o facho quando o mico-leão da cabeça careca transformou a ave de rapina em uma pomba rola depenada. Dancei no meu momento sonhador, mas não perdi o rebolado. Pelo contrário. Ganhei o que ele perdeu: a democracia plena.
Enfim, meus devaneios sem nexo provaram que o jogo do bicho sem sexo também falha. A gente dorme pensando na besta fera e dá jumento na cabeça, com ou sem a vacina. Menos mal. A picadura sem furo no cartão foi suficiente para ferrar na cabeça. É a roleta zoológica fazendo das suas. Ela ziguezagueia, mas jamais foge do que está escrito. Embora escreva sobre linhas tênues e passíveis de correção pela turma da toga, a Polícia Federal segue o mesmo script, isto é, define suas apostas, crava o bicho a ser cassado, o cerca pelas dezenas, centenas e milhar e aguarda a clausura, o que, em última instância, depende das penetrâncias superiores.
Ainda que com algumas rasuras normais para o peso do processo, essas entrâncias normalmente penetram no âmago do réu e acompanham o que está escrito. Recolhe o indigitado que, independentemente do que tenha sido, será tratado com todos os rigores da lei. Ou seja, de uma forma ou de outra, igualmente vale o que está escrevinhado pelo doutor delegado. Em suma, está indiciado e ponto. E não adiantam fanfarras evangélicas com financiamento do dízimo, passeatas, motociatas, golpeatas ou seilaoqueciatas. Como está indiciado a bem do serviço e da pátria, no jargão popular só restam dois caminhos: a calça de veludo ou, metaforicamente, o toba de fora.
Com esse calor lazarento, a calça de veludo é um risco para fritura acidental, intempestiva e inoportuna dos ovos. Então, sobra a metáfora do trem de fora. Aí, é arriar a empáfia, descer até a sala escura, tocar piano, colocar o lúgubre, porém cintilante, uniforme alaranjado e, em breve, muito breve, se recolher aos novos aposentos. Como faz tempo não é mais amigo do rei, para onde irá o ilusionista do poder terá de se comportar conforme as regras que nunca seguiu. Lá, ele será Sebastião, Severino, João de Maria ou Raimundo Nonato.
Fora disso, nem sonhando. Pelo menos terá tempo de escrever um livro sob o fracasso de seu governo e do golpe planejado por quatro anos e abortado em cinco segundos, após uma frase do general e outra do brigadeiro. Tanto o recolhimento quanto o livro ainda são embrionários. De todo modo, seguem duas sugestões de título para o futuro best-seller: Meu legado nas mãos do delegado e Mais vale um minuto de golpe do que uma minuta com Xandão. Se vale um conselho, tente se refugiar no quartinho onde já está o ex-deputado Roberto Jefferson, mas vá sem a carteira. Como certeza, dali sairão histórias que farão ruborizar Odete Roitman, Nazaré Tedesco, Carminha, Odorico Paraguaçu e Nero, o eterno hétero.