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Quatro costados

Marcelo, milionário, ganha antena como um televisor antigo

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Marcelo, primogênito dos Albuquerque, tradicional família de Recife, era todo orgulhoso por suas origens, cujos ramos dos quatros avôs se entremeavam com a nobreza desde os tempos mais remotos. Legítimo herdeiro de quatro costados, fazia questão de espalhar sua linhagem. Haja pureza!

Aos 30, já era o segundo no comando da secular empresa da família, atrás apenas do pai, que havia sucedido o avô, que havia feito o mesmo com o bisavô. Tamanho mérito, aliás, certamente era por conta de qualidades que jamais poderiam ser encontradas em reles mortal. Ah, não mesmo! Precisava ter pedigree! E ninguém duvidava de que o gajo possuía requisito dos mais desejados.

O homem, que nunca olhava para baixo, talvez nem soubesse onde pisava ou quem ficasse sob as solas de sapatos tão finos. Que importa? Na certa, ninguém merecedor de atenção. E Marcelo seguia firmemente o caminho para conquistar o mundo, que, afinal, era seu por direito. Quatro costados, para quem tivesse alguma dúvida.

Com menos de dois meses na vice-presidência da firma, Marcelo decidiu comprar uma luxuosa cobertura em frente à praia. Não que ele gostasse de tomar banho de mar. O caso não era esse, pois até o aroma da maresia o deixava enjoado. Preferia o isolamento em sua ampla piscina bem lá sobre a cabeça da ralé. Quanto mais longe, melhor!

Aproveitando a negociação do apartamento, tratou logo de comprar um iate. Comprou e mandou que fosse ancorado bem em frente à ampla janela da sala. E que ficasse com todas as luzes acesas à noite, pois fazia questão de apontar para os convidados em festas regadas a champanhe e caviar: “Comprei e ainda não usei. Mas é sempre bom ter um para o caso de precisar. Demandas acontecem a todo instante, não é mesmo?” E todos riam diante da presença de espírito do anfitrião.

Perto de completar 35, Marcelo se casou com a doce Lídia Ribeiro e Silva, de 23. Nem precisa falar que a moça era dos quatro costados. Herdeira até dizer chega! Haja tradição nessa união tão comentada pela alta sociedade recifense.

Os pombinhos viajaram para Paris, onde passaram a lua de mel dos sonhos da estirpe que lhes era própria. Voltaram para Recife, onde se instalaram na ampla cobertura, cuja vista da sala ainda dava para ver aquela belezura de iate, que continuava intocável.

Após quase dois anos de casório, parece que Marcelo andava muito ocupado com coisas da empresa. Reuniões infinitas, inclusive noite adentro. Pobre Lídia, que já não sabia mais o que comprar. Joias, roupas, até um conversível novo. Nada era suficiente para aplacar tamanha solidão.

Pertencentes à mesma casta, o jovem casal parecia viver em mundos diferentes. Por conta disso, vale aqui uma fofoca, que não se sabe se é de todo verdadeira, mas que já corre à boca pequena na ralé. Pois bem, dizem que a Lídia, curiosa para conhecer o tal iate, foi até lá com uma amiga, a Ana Lúcia, que, além dos quatro costados, é afeita a navegações.

Foi numa manhã, assim que Marcelo saiu para trabalhar, a mulher encontrou a tal amiga, que a levou em uma lancha até o iate. Embarcações emparelhadas, as duas foram ajudadas por um marinheiro, que fazia a manutenção do luxuoso barco. Homem rude, pele bronzeada, sem camisa por conta da visita inesperada.

As amigas, após passarem quase uma hora conhecendo o iate, retornaram. Mas a história não acaba por aí, pois fofoca boa precisa ser inteira. Parece que a Lídia sai todas as noites e diz para o marido que vai visitar a Ana Lúcia. Na verdade, ela não mente para o marido, pois vai mesmo se encontrar com a amiga. No entanto, esta transporta a esposa do Marcelo até o iate. Em seguida, se afasta com a lancha e aguarda a amiga por uma hora ou mais, até receber o sinal para ir buscá-la.

Essa rotina, segundo se fala, já acontece há quase dois meses. E, não raro, é possível ver o Marcelo, na janela da sala da ampla cobertura, admirando o luxuoso iate, que continua com as luzes acesas para que toda Recife possa invejá-lo. Afinal, ter quatro costados não é para qualquer um.

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