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BBB 24

Racismo estrutural invade nossas salas e ninguém reclama

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Autor/Imagem:
Armando Cardoso* - Foto de Arquivo

O caviar está para Zeca Pagodinho exatamente como o Big Brother Brasil está para mim. Nunca vi o programa, mas já ouvi falar. E nem sempre ouço coisas boas do circo espalhafatoso montado em rede nacional para, naturalmente, mostrar o lado cruel das pessoas. Ricos e pobres, camarotes e pipocas, brancos e negros se juntam para que, oportuna ou diariamente, mostrem quem verdadeiramente são. No ar, a edição 24, transformou-se em um dos mais eloquentes redutos do pensamento racista. Como não sou crítico de TV, vou tentar analisar exclusivamente o comportamento de determinados participantes. Depois de todo esse tempo no ar, os brothers e as Sisters esquecem que são filmados 24 horas e que tudo que dizem reverbera.

Baiano, afrodescendente, sonhador e disposto a mudar de vida, o motorista de aplicativo Davi Brito é considerado um dos mais chatos do programa. Talvez por isso seja uma das maiores vítimas dos racistas. Reitero que sei pouco da casa mais vigiada do Brasil. No entanto, ouço o suficiente para saber que o favoritismo do rapaz “obriga” seus “colegas” a disparar sistematicamente torpedos contra ele. Recém-alijada, uma tal Fernanda Bande, confeiteira de origem e modelo ocasional, é uma dessas incomodadas, talvez revoltadas, com a possibilidade de vitória do jovem baiano. Segundo ela, o lugar de pessoas como Davi é ocupando funções de baixa remuneração e desvalorização social. “Ele devia arrumar um emprego de segurança em um prédio”.

Recalque é uma merda. O pensamento hostil foi referendado por outros participantes, entre eles a patricinha Wanessa Camargo, estagiária de canto, e Yasmin Brunet, de cuja trajetória só me lembro da mãe. São pessoas como essas que fazem da escravidão de base racista uma herança sem fim do colonialismo europeu. Repito que não sou habitué do BBB. Na verdade, nunca assisti. Nesta edição, o que me chamou atenção foram as discussões externas sobre o racismo interno. Parece que tudo começou quando Davi compartilhou com os “exilados” do programa o antigo sonho de ser médico. Mais uma vez, os nem tão brancos deixaram vazar o sentimento escravocrata que os move.

No útero de cada uma das racistas – alguns homens também merecem o rótulo – está estampado que pretos e pobres não podem ascender. Eles estão proibidos de ocupar profissões de prestígio. Também eliminada, a trancista negra Leidy Elin sofreu ofensas racistas nas redes sociais, inclusive de formadores de opinião, como o cantor baiano Manno Góes. Apesar de barraqueira, ela não merecia a sugestão de Góes para trabalhar como capataz em uma das fazendas de Ronaldo Caiado, governador de Goiás. Só para ilustrar, capataz era e continua sendo fiscal de trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão. Não é o caso da moça. É a tal da inveja.

Embora compositor com algum espaço na Bahia, Manno Góes jamais teve a exposição midiática de Leidy. Talvez seja essa a razão de sua repulsa à jovem. Subdesenvolvido econômica e socialmente, o Brasil somente deixará de ser racista quando os racistas se derem conta de que suas almas e condutas negras são tão imperfeitas que eles precisam estar sempre lembrando que são diferentes. Diferentes, pobres de espírito e invejosos, pois não admitem sequer imaginar um amigo de epiderme escura melhor colocado socialmente do que eles. Imagina faturar R$ 3 milhões de uma só tacada e, de quebra, ser oportunamente convidado para um papel secundário em uma novela de época da Vênus Platinada.

Como todos nós brasileiros temos pelo menos um pé na África, as raras distinções de negros aceitas pelos que se dizem brancos são pontuais, mas com ressalvas: as empregadas domésticas, as babás e os porteiros e seguranças, conforme recomendação da tal Fernanda Bande. De acordo com ensaio do professor, economista e pesquisador baiano Elias Sampaio, o pior dos negros é aquele “que não está nem aí para serem os negros servis que os brancos gostam”. Esses assustam, incomodam e preocupam. Não irei assistir, mas certamente serei informado que um dos negros levará para casa o prêmio maior do BBB24. Os racistas de dentro e de fora do programa terão de se contentar com os sabugos dos três milhões. Que me perdoem os brancos racistas, mas prefiro o sorriso, a aura, a paz, a solidariedade, a fé e a força dos negros e dos pobres. Por mais que não queiram, são eles os verdadeiros BBBs: Bons, Bonitos e Baratos.

*Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras

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