O anel da traição
Padroeiro de cavaleiros, São Jorge deixa cavalheiro na mão
Publicado
emA matriz da empresa em que Saulo trabalhava era em São Paulo. Ele, engenheiro sênior da filial do Rio de Janeiro, ficara encarregado de ministrar um pequeno curso telepresencial aos novos contratados na matriz. Sua base, no Rio, providenciara todo o necessário para que o evento ocorresse. No dia designado, palestrou on line para seis profissionais, bem mais jovens que ele, dentre os quais ficou fascinado por Mônica.
Quase fraquejou em mandar o seu recado por conta da visão daquele rosto encantador, seus cabelos cacheados, meio louros, em leve desalinho, seu queixo delicado, o nariz perfeito, seu olho esquerdo ligeiramente estrábico. Mas era, para ele, a síntese de toda perfeição. E que voz ela tinha! O sotaque paulista, que nos outros ele detestava, dava-lhe um charme especial. Pode ser até que outros não notassem na moça a mesma beleza, mas, para Saulo, ela era óbvia, absoluta, total, surpreendente.
Ao fim do curso, fizeram um grupo no Whatsapp. O time paulista viria à Cidade Maravilhosa dali a algumas semanas para conhecer as atividades da empresa na capital fluminense, voltada a operações industriais, diferentemente da matriz paulista, dedicada a projetos de base. Do grupo no celular para o desenvolvimento da conversa a dois entre Mônica e Saulo foi um pulo, embora ele andasse na dúvida se o interesse era correspondido. Havia apenas uma possibilidade.
Fazia tempo que Saulo não era tratado por uma mulher com tanta atenção e carinho, mesmo que isso ocorresse virtualmente. A conversa entre os dois ia se intensificando e, em poucos dias, ele sentia como se fossem velhos conhecidos, confidentes, amigos…
Os papos, até altas horas, oscilavam entre experiências pessoais e gostos na música e na literatura. Comidas, viagens e sonhos. Saulo não conseguia mais esconder de si mesmo: estava perdidamente apaixonado por uma moça quinze anos mais jovem que jamais vira pessoalmente.
Mônica era seu pensamento mais frequente, se não o único, da hora de acordar até quando se deitava. E ainda sonhava com ela.
O casamento de Saulo balançava havia muitos meses. Sua mulher, Natália, ficara indiferente a ele por vários motivos, razões e mágoas jamais conversadas e nunca resolvidas. Moravam, ainda, sob o mesmo teto, tinham filhos em idade escolar, mas não formavam mais um casal. A comunicação entre ambos era sobre o essencial na gestão de uma família.
No entanto, repugnava-lhe a ideia de ser infiel a Natália. Afinal, tinha-lhe carinho e respeito por tudo que haviam passado juntos na vida.
Mas a força do que sentia por Mônica era fatal. Impelia-lhe para longe do lar, para longe dos votos que, um dia, fizera no altar. Não teve coragem de dizer a Mônica que era casado, nem que tinha filhos. Sentia-se anos mais jovem, sorria pensando em Mônica, nas possibilidades que se descortinavam em sua vida.
Até que chegou o tão esperado dia de se encontrar com a moça. Ele lembrou-se de tirar a aliança. Mas ficou uma forte marca em seu dedo anelar esquerdo. Foi a uma loja de bijuterias finas próxima do trabalho e comprou um anel com São Jorge estampado. No momento do encontro, colocaria o anel do santo no dedo para cobrir o lugar do outro anel dourado e bento, que denunciava sua condição.
Passou o dia com o time de engenheiros de São Paulo e mais alguns diretores da empresa, tanto da matriz quanto da filial, sendo o mais profissional possível. Mas, ao longo do expediente, já entendera que era correspondido e trocara mensagens com Mônica de escancarado interesse mútuo:
“Doido para isso aqui acabar e ter você só pra mim ”
“Eu também não vejo a hora. Vamos fazer algo mais tarde? ”
Ao fim do expediente, ambos recusaram participar de um jantar num belo restaurante da orla da Barra da Tijuca e ficaram juntos. Amaram-se intensamente e despediram-se na manhã seguinte, antes que Mônica fosse para o aeroporto pegar o avião de volta para São Paulo.
Saulo foi para casa pensando na desculpa que daria por haver passado a noite fora, com o celular desligado. Talvez isso houvesse desesperado sua mulher e seus filhos.
Mas, para sua surpresa, Natália não esboçou qualquer reação quando viu-o entrando pela porta da cozinha do apartamento antes das sete horas da manhã. O clima, que já se encontrava pesado, intensificou-se em frieza e indiferença. Natália não era tola. Saulo dera sinais. As mulheres percebem essas coisas. Por isso, não havia necessidade de maiores explicações. Só estabeleceram que tinham de conversar seriamente. E assim fizeram, ainda naquela semana, quando decidiram pelo divórcio consensual após vinte e dois anos juntos.
Naquele mesmo final de semana, Saulo pegou uma ponte aérea e foi em busca de Mônica em São Paulo, de quem sequer sabia ainda o endereço. Lá chegando, telefonou para ela. Encontraram-se num shopping próximo do aeroporto, onde jantaram e, depois, foram para o apartamento dela onde, mais uma vez, se amaram. Ele ensaiava mentalmente várias vezes como iria explicar sua situação de homem casado, prestes a se divorciar. Queria propor casamento a Mônica tão logo tudo se resolvesse.
A certa altura, Mônica surpreendeu-o dizendo:
“Por que você não está sendo totalmente sincero comigo?”
Antes que balbuciasse uma resposta, Saulo percebeu que passara o tempo todo com a aliança devidamente instalada no dedo anelar esquerdo, pela qual havia substituído o anel de São Jorge, agora guardado no porta-luvas do carro, tão logo despedira-se de Mônica na saída do motel há poucos dias, no Rio.
Muito envergonhado, abriu o jogo para sua jovem enamorada, que lhe recusou terminantemente a proposta de ficarem juntos, pois não estava se sentindo preparada para uma relação de longo prazo, e sequer gostaria que Saulo continuasse a vir vê-la em São Paulo.
Saulo acabou perdendo Mônica e se divorciou de Natália, sem conservar o respeito ou a amizade de nenhuma das duas por sua deslealdade.
O anel de São Jorge jaz hoje em dia nas profundezas lodosas de um rio, jogado de cima de uma ponte da estrada pela qual Saulo passara no dia em que saíra do Rio de Janeiro, de carro, para passear sem destino e tentar amenizar o remorso e a tristeza por haver feito o péssimo papel de homem que conseguiu enganar, de uma só vez, a esposa e a amante.