'Ah, é veterinário'
Vida de escritor é difícil, mas nada de vagabundagem
Publicado
emOs que me conhecem sabem muito bem que não sou de festejos. Não que seja totalmente antissocial, mas é que não gosto de locais apinhados. Confraternização com amigos, até encaro. Se bem que sou da turma do cafezinho, ainda mais se tiver a companhia de proseador dos bons. Mas nem sempre consigo fugir de certos compromissos, ainda mais quando sou pego de surpresa e não tenho tempo de inventar uma desculpa que cole.
Pois lá fomos nós, minha esposa (a Dona Irene) e eu, para um churrasco na casa da minha grande amiga Grace, que é casada com o Leoton. Assim que chegamos, fomos recebidos por muitos sorrisos, beijos e abraços, mesmo porque já fazia um bom tempo que não encontrava aquele casal tão gente boa e a filha, a pequena Grabriele, que já não está tão pequena assim. Por ali também estavam a Dona Lourdes e o Max, pais da Grace, assim como a Fafá, irmã do Leoton.
Conversa vai, conversa vem, fomos apresentados a um monte de gente. Não sei como é que você se sente quando isso acontece, mas fico meio confuso diante de tantos nomes e rostos novos. É como se eu tivesse saído de uma caverna bem escura e, de repente, alguém jogasse um facho de luz tão forte, que cega. Seja como for, após quase meia hora, minha vista começou a se acostumar com toda aquela claridade. Tanto é que, já devidamente acomodado em uma mesa ao lado da minha esposa e outras pessoas, aceitei de bom grado a conversa iniciada por uma mulher.
— Você trabalha com o quê, Edu?
— Sou escritor.
— Escritor?
— É, escritor.
— Como assim?
— Como assim o quê?
— O que você faz pra viver?
— Ué, escrevo.
— Mas você não tem uma profissão?
— Sou escritor.
O clima pareceu pesado, até que a Dona Irene apaziguou as coisas. É que ela disse para a minha amiga de última hora que eu também era médico veterinário. Pra quê? A mulher, que era tutora de dois cães, quatro gatos e um coelho, começou a me fazer perguntas que não acabavam mais. Mas mantive a linha e respondi educadamente cada questionamento, até que, finalmente, nos despedimos e fomos embora.
Durante o trajeto de volta, a minha esposa e eu comentamos sobre o maravilhoso tempero do churrasco. Certamente era receita da Dona Lourdes. Mas eis que a minha amada começa a rir do nada.
— O que foi?
— Nada, Edu!
— Ué, por que está rindo?
— Você tinha que ver a sua cara.
— Como assim?
— Você fazia umas caretas quando estava respondendo às perguntas daquela mulher.
— Taí uma coisa que não entendi.
— O quê, Edu?
— Por que você falou pra ela que sou veterinário?
— Ah, pra ela não pensar que você era um vagabundo.