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Morte traiçoeira

Todos vivemos à espera do vento de justiça por Fabi

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Autor/Imagem:
Raquel Lima - Especial para Notibras - Foto Acervo Pessoal

Amigas-irmãs. Era assim que nós nos referíamos uma à outra. Seu pai era primo de minha mãe, mas não foi o grau de parentesco que nos uniu. Foi o fato de estudarmos juntas na Escola Normal, compartilhar a série, os trabalhos e as caminhadas de ida e vinda de nossas casas para o colégio o que nos aproximou. Duas garotas tímidas, dividíamos ainda os medos, as angústias, os sonhos, as paixões e as alegrias desde a adolescência. A única vez que discutimos, no sentido de nos desentendermos, foi por causa de um pôster imenso do Tom Cruise, galã de Top Gun, Ases Indomáveis.

Nós colecionávamos figurinhas e revistas com fotos do ator e um dia, ao chegarmos juntas em uma banca de jornal hoje extinta, brigamos por Tom Cruise. Fiquei com o pôster, mas o dei de presente a ela em seu aniversário de 30 anos, se não estou enganada. Fabiana era amiga de todas as horas, das boas e das ruins. Nossa amizade, em vez de ter se enfraquecido com a distância física de quando ela se mudou para o estado do Espírito Santo, ou de quando eu me mudei para Viçosa, se fortaleceu cada vez mais. As cartas que trocávamos naquele período seguem comigo.

Desde a adolescência tínhamos uma lista, escrita em papel, de coisas para fazer juntas, como viajar para muitos lugares. Mas nem queríamos ir tão longe assim. A cada viagem Fabiana tirava uma foto junto a uma placa que tivesse o nome da cidade visitada. Fomos pra Ouro Preto, Cabangu, Petrópolis, Ibitipoca, Porto Firme, Rio Pomba… não imaginávamos que um dia estaríamos juntas em sua lua de mel com Daniel, em Florença. Quando eles se casaram eu estava na França para um estágio doutoral e, na impossibilidade de vir ao Brasil para ser sua madrinha de casamento, fui convidada por ela para ser sua “madrinha de lua de mel” (risos). Falei com ela por Skype, no dia do casamento.

Fabiana fazia ainda viagens internas, digo, para dentro de si, planejando coisas simples, mas extraordinárias, como ser independente, ter um grande amor, ter um filho. Na véspera do nascimento de Francisco, fiz questão de vir de Viçosa para estar junto dela, e lembro que me preocupei vendo-a comer pizza, à noite, antes de começar o jejum para o parto do dia seguinte. Temos uma foto linda deste momento, lado a lado, ela, com um barrigão imenso, o braço no berço, e eu, com a mão no bebê em seu ventre.

Trabalhadora, honesta, determinada, era uma mulher e uma professora que acreditava na educação como instrumento para a construção de um mundo mais justo, igualitário. Na semana em que foi levada de nós, estava animada com a oficina de bandanas que dava para seus estudantes, como parte de um projeto da Semana da Consciência Negra. Era também uma artesã e tanto! Tentava me convencer de que eu gostaria de costurar, mas eu não acreditava. Em nossa última conversa, três dias antes do fatídico crime que tirou sua vida, ela me disse que eu precisava ter um hobby manual e que “tinha certeza” de que eu ia gostar. Eu dizia que não, ela insistia. Passados quase cinco anos, não é que adoro fazer costura criativa? Ela me conhecia mesmo. Espero que de alguma dimensão ela, que era espírita, consiga saber de minhas costurices… Me apresentou a Raul Seixas, que amava; me ensinou a cozinhar amendoim no chocolate, receita que preparava deliciosamente bem; virou noites comigo formatando minha dissertação e minha tese…

Compartilhamos muitas, muitas coisas. Coisas não, a vida! Mas ainda havia muito a ser compartilhado: itens da lista de adolescência que ainda não tinham sido realizados; Aperol Spritz para ser tomado; tortas de queijo a serem feitas e degustadas juntas, passeios a muitas feirinhas, como a Feira Hippie de Belo Horizonte, que ela amava. Havíamos combinado de reler nossas cartas juntas “qualquer hora dessas”.

Numa dessas horas, em 2019, sua vida foi violentamente tirada e interrompida. Tempos depois, um projeto de lei de um vereador de Juiz de Fora visava colocar uma rua em homenagem à Fabiana, em um bairro mais afastado da cidade. Em tempos de desconstrução e reconstrução das narrativas históricas, uma boa homenagem a ela seria renomear a hoje Rua Marechal Deodoro com seu nome. Não para marcar o local triste de sua morte, mas para que as futuras gerações saibam que por ali passava uma professora que tanto lutava por uma vida mais digna para todas as pessoas. Por menos marechais neste mundo! Para que este tipo de crime nunca mais se repita! Pela memória de Fabiana Filipino Coelho!

Participativa e dedicada à sua família, “está fazendo muita falta”, conta seu irmão de sangue. Restam, além da dor e saudade dos familiares e dos amigos, as lembranças boas, e a esperança de que o tempo costure os buracos deixados por sua ausência. Sonho muito com ela, viva, bem. Em um dos sonhos ela me contou que toda vez que eu falava com ela ou pensava nela daqui da terra, que ela sentia “um sopro ou ventinho no rosto”. Que ela possa sentir um vento de paz e justiça nestes dias vindouros!

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