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Apelido apropriado

Abobrinha fica marcado até na dieta pós-infarto

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Autor/Imagem:
Eduardo Martínez - Foto Produção Irene Araújo

Quem me vê hoje nem imagina que, há muito tempo, meus colegas de trabalho me chamavam por um apelido. Odiava essa alcunha, mas eis que, aqui nessa cama fria do meu quarto, sinto saudade de quando podia correr pela rua. Do apelido, confesso que até sinto falta.

Comecei na firma numa função que nem carteira assinada tinha, mas que era essencial para que a mercadoria chegasse aos clientes. Entregador de cerveja, foi esse o início da minha trajetória profissional. Não cheguei a presidente da empresa, é verdade, nem mesmo passei perto de ser nomeado diretor. Todavia, o cargo de gerente, após quase uma década, me garantiu uma vida confortável.

Foi logo no meu primeiro dia, quando cheguei à garagem e me apresentei ao motorista que faria as entregas comigo. Jorge, mas todos o chamavam de Antigo. Não porque fosse o mais antigo na firma, mas por causa da idade, 53, quase um velho naqueles idos.

Assim que comecei a colocar os engradados na carroceria, o Clóvis começou a rir e apontar para a minha cabeça dizendo que parecia com uma abóbora. Devo ter feito cara de quem não gostou da brincadeira, pois o apelido pegou que nem chiclete.

De Abóbora foi um pulo até Abobrinha. Não por conta de possíveis besteiras que eu pudesse dizer nessa época, mesmo porque costumava entrar mudo e sair calado, tamanha a minha timidez. Era por causa do meu físico franzino e minha baixa estatura. Mas devo dizer que nessa época eu estava com 14 anos, quase 15. Se bem que não cresci muito a partir de então, estancando no atual 1,62 m que conservo desde então.

Após carregar tantos engradados nos ombros, ganhei músculos proeminentes, que, assim que galguei na profissão, foram cambiados por uma cintura mais arredondada. Mal notei no início tal metamorfose, até que precisei trocar as calças e aposentar o cinto. O acréscimo no salário, todavia, ludibriou qualquer autocrítica com a nova silhueta.

Antes fosse apenas questão de vaidade, mas fui advertido pelo cardiologista. Bobagens de médicos, pensei. Antes fosse isso. Até Gorete, com quem havia me casado há dois anos, começou a reclamar da minha gulodice.

— Carlos, meu bem, por favor, não coma a pele do frango. Faz mal! Desfiei o peito pra você.

O prazer daquela gordura toda descia para o estômago, que roncava suplicando por só mais um pouquinho. Entregue completamente aos prazeres da comida, acabei desmaiando sentado à mesa. Meu rosto tombou para frente e foi amortecido sobre a montanha no prato.

Não me lembro da ambulância chegando, nem da minha chegada ao hospital. Quando voltei da cirurgia, a primeira coisa que vi foi o rosto de Gorete. Ela, com lágrimas nos olhos, disse que me amava. Ao seu lado, o médico que havia me operado.

— Carlos, você teve um infarto do miocárdio. A cirurgia foi um sucesso, mas você precisa colaborar. A partir de agora, nada de gordura.

Tenho me cuidado desde então. Já perdi alguns quilos, muito mais por conta do monitoramento da minha mulher. Nada de pele de frango, nada de churrasco com gordurinha. Aliás, Gorete, com aquele lindo sorriso no rosto, veio me contar o cardápio do almoço.

— Carlos, meu amor, preparei uma abobrinha daqui, ó!

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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