Sonho humilde
“Da sua janela imagina ela por onde hoje ele anda…”
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emEm tempos idos, há muito tempo idos, situava-se ali na esquina uma antiga casinha de subúrbio. Casinha seguramente amarela, com detalhes brancos em volta das janelas azuis. Uma varandinha à frente, arvorezinhas baldias pelo jardim. Um clima de simplicidade geral e afeto, muito afeto. E também capricho, porque era dessas casinhas pobres onde o asseio reinava, e tudo estava na mais perfeita ordem, mesmo que com baixo orçamento.
Se nos aproximássemos da casinha, por uma das janelas laterais, veríamos uma moça, sonhadora e bela, ouvindo um long-play em sua vitrolinha. Sozinha no quarto ouvia baixinho a música, para não incomodar os demais moradores da casa, que a esta hora já deviam estar dormindo. Era noite, mais de dez horas. Naquele tempo se dormia cedo. A vitrolinha, amarela, pequena, girava e girava nas suas 33 rotações por minuto. 33 e um terço. O vinil retirado cuidadosamente de uma capa onde o artista, moço bonito, era retratado sorrindo e de rosto sério.
A música não ecoava pelo ambiente, mas penetrava pelos ouvidos da moça, ali perdida na sua imaginação e em seus sonhos. Ela imaginava e sonhava um amor. Que viria? O certo é que ela pedia, não sabia bem se para algum santo de devoção, ou o que fosse. Mas pedia. A moça ainda não tinha uma menina, mas até sabia fazer tricô. O disco girava e mais a letra da canção fazia sentido e trazia ao coração da moça um misto de esperança e preocupação.
Haveria um amor? Haveria o seu amor? Seria ele um amor de paz ou traria desassossego? Teria pinta de artista ou alma de boêmio? Ela não sabia, ninguém sabia e nem tinha como saber àquela altura. Somente o tempo. Somente a vida teria as respostas. E ela pôs-se a pensar onde ele estava, olhando pela janela, vendo a tênue luz de prata do luar atrás de nuvens noturnas e belas e uma vaga estrela.
Estaria ele jogando, mesmo que não tivessem dinheiro? Estaria ele bebendo com amigos num bar? Seria daquele jeito? Ela ansiava por conhecê-lo, rogava por amá-lo e ser amada. Mesmo que fosse ali, naquela casinha humilde, naquela noite desolada, dentre as arvorezinhas baldias pelo jardim, tudo assim.
E a pobre moça que pensava – se toda essa vida eu ainda viver, sem achar o meu amor, o que será que vai ser de mim? Não havia castigo nem penar. Era moça no limiar da sua história. Nunca ouvira juras fingidas de morenos. Fosse o que fosse, para encontrá-lo ou continuar sonhando, ela sairia dali para viver a vida.
Viver de uma vez a vida.