Sobrinha do amigo
Roberto, com casaco de lã, descobre que vida é gelada
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emUltrapassei os 15 mil dias há tempos, o que prova que já estou mais que acostumado à vida de quarentão. Para ser sincero, hoje desfruto meus quase 45 anos. É verdade que, não raro, preciso encolher a barriga para parecer mais esbelto do que a silhueta acusa.
Por falar em barriga, ultimamente prefiro as estações mais frias. Não que eu seja fã de temperaturas abaixo de zero grau. Algo em torno dos 15 já está de bom tamanho, pois é a desculpa para tirar meu casado de lã do armário e curtir um certo desleixo com meu corpo. A roupa esconde minhas gorduras, o que eleva minha autoestima.
E cá estou em uma festa à beira da piscina na linda residência do Paulo, meu colega dos tempos de faculdade. Rico até não poder mais, meu amigo deu muita sorte na vida. Ganhou muito dinheiro, mas a maior parte foi por herança.
Pouco mais velho que eu, Paulo se formou dois semestres mais tarde, pois bombou em algumas matérias. Não importa, pois acabou pegando o canudo e começou a trabalhar na empresa de engenharia da família. Como éramos próximos, não tardou, convenceu o velho a me contratar.
Mas deixemos essas histórias de lado, pois em nada tem a ver com o que quero contar. É que, agora mesmo, há uma bela mulher, talvez com seus 20 anos, me encarando. Nunca a vi, mas certamente é de família de prestígio, pois as vestes e as joias parecem garantir tal condição.
Não me interprete mal, pois não sou desses caras endinheirados que vivem correndo atrás das novinhas. Prefiro as que regulam com a minha idade, pois parecem ignorar as artimanhas do tempo sobre os corpos. Ademais, não sou rico, apesar de levar uma vida confortável. Seja como for, a garota não tira os olhos de mim, o que está me deixando intrigado.
Finjo que não percebo, mas meu olhar me entrega. Ela sabe que estou interessado. Ergo meu copo de uísque em sua direção, ela sorri. Enquanto crio coragem para me aproximar, é ela quem chega em mim.
— Oi. Sou a Sônia.
A jovem, ainda por cima, tem o nome da minha fantasia dos meus tempos de adolescente. Só falta ser Braga também. Um minuto mais, ela diz que é sobrinha do anfitrião.
Conversa vai, conversa vem, parece que nos conhecemos há tempos. Tanto é que, pouco depois das 22h, ela me chama para sairmos dali. Nem acredito, apesar da insegurança que bate forte. Há quase seis meses longe da academia, ganhei quase 10 quilos, a maior parte no abdome. Isso me reporta aos meus tempos de menino, quando vovó me puxou pelo braço até o caixão do meu avô.
— Robertinho, coloque a mão no rosto do vovô.
Cheio de receio, obedeci, até que ela me disse algo que até hoje me assombra.
— Jamais se esqueça de que, apesar dos casacos de lã, a vida é gelada.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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