Fabiano, o festeiro
Aposentadoria silenciosa deixa repartição em pânico
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emSe dependesse do Fabiano, todo dia era dia de festa. O homem até trabalhava, mas por pura necessidade, pois não havia nascido em família endinheirada. No entanto, mal saía do serviço, ia para casa, onde preparava um quitute dos seus tempos de menino.
Salsicha, queijo e azeitona, às vezes até incrementava com tomate e pimentão, mas tudo cortado e espetado em um palito: sacanagem. Dependendo do ânimo, abria uma lata de cerveja ou de refrigerante, colocava um LP da Beth Carvalho e ensaiava alguns passos. De vez em quando, parava diante da televisão desligada, onde conversa com a própria imagem refletida na tela.
Aconteceu numa segunda-feira, dessas raríssimas que ninguém quer ir para o trabalho. Os colegas estranharam a ausência do Fabiano, que, apesar de pouco afeito ao serviço, não era de atrasar, muito menos faltar. Eles imaginaram que o atraso era por conta da greve dos ônibus. Que nada! Não havia paralisação naqueles dias. Além disso, Fabiano morava a não mais que um quilômetro dali.
O chefe, que chegava mais tarde, assim que pisou na repartição, perguntou onde estava o Fabiano. Júlio, colega quase amigo do sumido, disse que ele teria saído para comprar remédio para enxaqueca. Dor de cabeça foi o que o mentiroso precisou lidar, pois nada do Fabiano aparecer.
Júlio teve que inventar uma desculpa e foi até o apartamento do amigo. Chegou e tocou o interfone. Nada! Insistiu. Nada! Preocupado, tocou no apartamento ao lado. Uma voz envelhecida atendeu. Era a dona Lourdes, vizinha de longa data do Fabiano.
Depois de trocarem algumas palavras, a velha abriu a portaria. Júlio, de tão angustiado, preferiu enfrentar as escadas em vez de aguardar o elevador. Esbaforido, chegou ao sexto andar. Tocou insistentemente a campainha. Nada! Bateu à porta a ponto de esmurrá-la. Nada! Quase desistindo, gritou pelo amigo, quando, finalmente, a porta se abriu lentamente.
— Júlio, o que você faz por aqui?
— Graças a Deus, Fabiano! Pensei que você estivesse morto, cara.
— Morto?
— É, meu irmão. Você não apareceu no trabalho hoje, e tá todo mundo preocupado.
— Não morri, mas não vou mais trabalhar. Nunca mais.
— Ficou maluco?
— Não.
Fabiano convidou o amigo para entrar e, em seguida, apontou para a tela do computador, onde se via uma das páginas do Diário Oficial. Júlio, finalmente, entendeu o motivo pelo qual o colega não havia comparecido ao trabalho naquele dia.
— Pois é, Júlio, finalmente chegou a minha aposentadoria.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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