Arrogância no ar
Marçal, Kelman, Cacareco e Tiririca refletem riscos que nossa democracia enfrenta
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emComparar Pablo Marçal, Padre Kelman, o rinoceronte Cacareco e Tiririca é um exercício interessante para refletir sobre como a política brasileira pode se transformar em um palco onde a realidade se mistura com o absurdo. Cada uma dessas figuras possui características e trajetórias distintas, mas compartilham o fato de que, em algum momento, atraíram a atenção pública e se tornaram símbolos, para o bem ou para o mal, de uma espécie de “politização do grotesco”. O que diferencia Marçal e Kelman dos outros dois é a presença de um discurso de ódio e uma desconexão radical com a realidade, exacerbados por uma arrogância megalomaníaca.
Pablo Marçal é um coach que ganhou notoriedade nas redes sociais e decidiu, de forma inesperada, lançar-se na política. Seu discurso é marcado por uma mistura de promessas messiânicas, teorias da conspiração e uma arrogância que beira o delírio. Ele é o exemplo perfeito do político digital que, sem um entendimento profundo da realidade política, usa o alcance das redes para disseminar ideias desconexas, muitas vezes acompanhadas por um discurso de ódio direcionado aos que ele considera “inimigos”. Marçal representa o populismo da era digital, onde a verdade é um conceito maleável e o carisma é usado como ferramenta para manipular e dividir.
Padre Kelman, outro personagem controverso, surgiu como um candidato que mistura religião e política de maneira perigosa. Sua postura é marcada por uma retórica de ódio que se disfarça como zelo religioso. Assim como Marçal, ele usa a religião para justificar um discurso excludente e autoritário, que muitas vezes desrespeita os princípios democráticos básicos. Sua candidatura pode ser vista como um reflexo de uma tendência global onde figuras religiosas, ao invés de promoverem a paz e o diálogo, incitam a divisão e a intolerância.
O rinoceronte Cacareco foi um fenômeno singular na política brasileira, simbolizando o descontentamento da população com o sistema político da época. Nas eleições para a Câmara Municipal de São Paulo em 1959, Cacareco recebeu 100 mil votos, o que representava um claro protesto da população contra a corrupção e a ineficácia dos políticos. Ao contrário de Marçal e Kelman, Cacareco não tinha discurso, não era humano, e sua “candidatura” não passava de uma ironia pesada que expôs a falência de um sistema. Ele representava o anseio por algo diferente, mesmo que esse algo fosse literalmente um rinoceronte.
Tiririca, famoso humorista, usou o bordão “Pior que tá não fica” para se lançar na política, tornando-se deputado federal com uma votação expressiva. Sua candidatura, inicialmente vista como uma piada, logo se revelou um reflexo do descontentamento popular. Embora Tiririca tenha sido acusado de não levar a política a sério, ele, ao contrário de Marçal e Kelman, não utilizava um discurso de ódio ou desconectado da realidade. Tiririca trouxe à tona a questão do voto de protesto, onde o eleitor, desiludido com os políticos tradicionais, opta por uma figura carismática e aparentemente inofensiva.
O que diferencia figuras como Pablo Marçal e Padre Kelman de Cacareco e Tiririca é a combinação perigosa de um discurso de ódio com uma arrogância megalomaníaca. Enquanto Cacareco e Tiririca eram símbolos de protesto e descontentamento, Marçal e Kelman representam um tipo de candidato que, além de desconectado da realidade, usa essa desconexão para espalhar ideias tóxicas e divisivas. O perigo aqui reside no fato de que esse tipo de discurso pode, eventualmente, corroer os alicerces democráticos ao instigar o ódio e a intolerância, em vez de promover o debate construtivo.
A comparação entre Pablo Marçal, Padre Kelman, o rinoceronte Cacareco e Tiririca evidencia as diferentes formas que a política pode assumir no Brasil, desde o voto de protesto até a ascensão de figuras controversas com discursos perigosos. Enquanto Cacareco e Tiririca simbolizam o descontentamento e a ironia diante da política tradicional, Marçal e Kelman representam uma ameaça mais séria, onde a desconexão com a realidade é acompanhada por uma retórica agressiva e divisiva. É essencial que a sociedade esteja atenta para não permitir que o grotesco se transforme em uma ferramenta de destruição da democracia.