A musa
Dentista descobre que até as deusas têm cáries
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emGata! Aliás, gata que nada! Verdadeira pantera que tive a sorte de esbarrar no mês passado. E, desde então, não consigo tirá-la da cabeça, como se fosse chiclete nas ideias que pululam minha mente insana.
Por quatro ou cinco vezes, retornei àquela rua, onde os botecos e inferninhos brotam que nem as igrejas que arregimentam os pecadores pela cidade. Entre a cruz e a espada, prefiro me ater àqueles lábios carnudos, na esperança deles me convidarem para qualquer esquina longe de comentários alheios. Pensando melhor, que fofoquem! Não me importo.
Seu nome? Confesso que não havia descoberto até hoje pela manhã e, antes de descobrir, decidi chamá-la de Tereza. Prefiro Laura, mas Tereza tem a volúpia que imagino naquele jeito de olhar o que se passa ao seu redor. Lúcia também é nome de mulher daquela estirpe rara, se bem que Sônia também não é nada mal.
Pois bem, vamos de Tereza, pois necessito contar como tudo aconteceu. Lá estava eu sentado à mesa de um dos tantos bares naquela parte que não tem fama de honesta, quando esse ser enigmático passou. Calça e casaco de couro, cinto de fivela prateada, uma blusinha por baixo, que revelava o umbigo mais lindo que minha memória é capaz de se lembrar neste momento.
Devo ter feito cara de bobo, pois ela soltou um sorriso debochado em minha direção. Em seguida, seguiu caminho com aquele gingar de quem sabe que está sendo observada por uma horda de marmanjos. Depois de um ou dois goles na cerveja, tomei coragem de ir atrás do que julguei ser o amor da minha vida. Não a encontrei no meio da turba. Cheguei a imaginar que ela não teria sido apenas uma miragem.
Essa dúvida sobre a existência de Tereza se desfez justamente no lugar mais improvável, pelo menos para mim. É que sou cirurgião-dentista e, quando já estava no consultório, fui informado pela minha secretária que uma nova paciente estava me aguardando. Pedi para que a deixasse entrar e, então, quase caí para trás.
Eu me apresentei à Tereza. Quer dizer, descobri naquele instante que a minha Tereza se chama, na verdade, Olívia. Não tardou, ela estava sentada na cadeira, com a boca escancarada, enquanto eu observava aqueles dentes tão agradáveis, caso não fosse por um detalhe. É que a minha musa estava sentindo dor num dos dentes sisos. Outra surpresa foi saber que até as deusas podem ter cárie.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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