Se beber não vote
Ar desértico alimenta humildade poética dos políticos brasileiros
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emFugindo da política, mas não conseguindo ficar longe dela, registro que Brasília é a segunda capital brasileira há mais tempo sem chuvas. Há 135 dias que a cidade não vê pingos d’água no telhado, na rua, na janela ou sobre o povo necessitado de uma boa lavada no espírito. Trovões e temporais só de dor e de choro. Não é só a falta de chuva que preocupa a população brasiliense nesse período. Cosmopolita por conta das representações internacionais e contraditória politicamente, a cidade criada por Juscelino Kubistchek vem convivendo com a baixíssima qualidade do ar.
Os índices de umidade têm variado entre 7% e 10%, o que representa clima de deserto. Umidade desértica para uns e humildade poética para outros, na capital da República só há fartura de chuvas na laje e nas vidraças no oásis conhecido por Gaiola das Loucas. Localizado no coração da cidade, o Congresso Nacional é uma verdadeira chuva de bênçãos em formas variadas, entre elas emendas parlamentares, pensão vitalícia, fundo eleitoral, auxílio-moradia, plano de saúde aceito até em Marte, polpuda verba de gabinete, gratuidade de passagens aéreas, previdência social especial e foro privilegiado.
Ou seja, por dentro, por fora, por trás e pela frente a horta dos deputados, senadores, aspones e afins é irrigada todos os dias. Com pouco ou quase nenhum trabalho em benefício da pluralidade da sociedade, as excelências de terno, gravata, motorista e refrigeração no corpo, no bolso e na alma são pródigas em inventar o que não é do interesse de quem os elegeu. Por exemplo, além de propostas pessoais ou corporativas, os chamados homens públicos são capazes de passar quatro, oito ou 12 anos em uma das duas casas do Congresso e terminarem o (s) mandato (s) com proposições reconhecidamente bizarras.
Ainda não pesquisei, mas se for fundo nos arquivos do Parlamento provavelmente encontrarei projetos do tipo desentortador de banana, tirador de baba de quiabo, amenizador do amargo do jiló e, quem sabe, massageador para brochura congênita. A contrapartida não existe. Nada é apresentado para combater a seca, fome, a violência, a falta de moradia, o feminicídio, a homofobia, o racismo, a transfobia e, sobretudo, as queimadas criminosas.
Respondendo a uma pergunta supostamente metafórica de um assíduo leitor ávido em saber se os, entre aspas, eminentes parlamentares amam ou apenas têm interesse no eleitor, diria, sem medo de errar, que eles amam com relativo ardor. Digo isso porque vejo e sinto diariamente que nenhum dos 513 deputados e 81 senadores demonstra qualquer interesse pelo cidadão ou cidadã que vota ou que paga impostos regularmente. Portanto, é amor. Mesmo sem vislumbrar nuvens no céu, volto ao pouco caso dos senhores que pregam humildade com a umidade de Brasília.
Depois de checar e prechecar as informações do serviço de meteorologia cheguei à conclusão de que as excelências em questão são iguaizinhas ao responsável pelo controle de qualidade das partes pudendas das meninas que prestam serviço em bordel de luxo: só se dão bem. Apesar do clima de deserto, esta afirmação não é nenhuma miragem. Aproveitando a secura de Brasília para lembrar da Lei Seca, sugiro aos eleitores que, antes e depois das chuvas, se for beber, não votem nas próximas eleições. Se votarem, bebam bastante para esquecer a besteira que fizeram. Se beberem para votar e esquecer, tentem não se apaixonem pelo eleito. Afinal, a política é a arte de captar em proveito próprio a paixão dos outros.
*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras