Uma mão não lava a outra
Orgulho do brasileiro estaciona e fica a um fio do caminho do inferno
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emFaz tempo que os valores do povo brasileiro, sobretudo aquele que tem orgulho de se autodenominar eleitor, não são mais os mesmos. Faz tanto tempo que a gente nem percebe que mudou. E para pior. Paciência, respeito e amor ao próximo deixaram de fazer parte da cartilha da maioria. Atualmente, o que vale é a tabuada, principalmente a que ensina a somar e a multiplicar. Dividir está fora de moda. Hoje, nossas escolhas são feitas de acordo com as vantagens presentes e futuras. Embora, pelo menos, seja uma cumpridora contumaz de leis, escrevo na terceira pessoa, pois sou tão falha como qualquer ser humano errante.
A diferença é que reconheço meus erros, peço perdão por eles e, comumente, me reavalio internamente. Por isso, ainda que permaneça não aceitando àqueles que não me aceitam como antagônica, tenho optado por ignorá-los. É o caso daquele ex-presidente e do fundamentalismo de seus seguidores. Como é impossível fazê-los enxergar com os dois olhos, escolhi o caminho da tranquilidade emocional para mostrá-los, por exemplo, que um caso comum de trânsito não pode ser transformado em guerra individual ou coletiva apenas porque eles não admitem ser derrotados. Perder ou ganhar faz parte do jogo. O diálogo é naturalmente a melhor opção.
Subir no capô do carro e se manifestar feroz e descontroladamente contra o outro motorista é a mais pura demonstração de despotismo e de tirania. Também deve ser considerado autoritarismo, prepotência e abuso qualquer um de nós entender que nossos erros são sempre menores do que os desacertos dos vizinhos ou de eventuais adversários políticos. Da mesma forma que os homens do tipo puros infringem, descumprem e profanam normas ou conceitos, os que se acham acima de suspeitas também pecam, violam e desrespeitam regulamentos, regras e os princípios básicos da boa convivência.
É por essa e outras razões que, quando posso, lembro aos mais próximos sobre a necessidade de se preocupar com as más influências, notadamente dos idolatrados bons influencers. Nenhuma alusão em separado à dondoca das redes sociais e agora presidiária Deolane Bezerra, tampouco ao ex-ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, demitido semana passada por conta de gestos nada republicanos contra uma colega de ministério. Aludo, no entanto, a todos os que insistem em tapar o sol com a peneira. De forma mais objetiva, refiro-me àqueles supostamente sem juízo – alguns mais militantes do que desordeiros -, os quais acham bonitinho se manifestar, pública e desembestadamente, exclusivamente para atacar um defensor juramentado da lei e da ordem.
É a verdadeira ausência de valores. Certamente pensaríamos diferente se ainda tivéssemos a marca registrada do orgulho de ser brasileiro, coisa que nem os jogadores da seleção têm mais. Se tivéssemos, não daríamos o status de Deus do Olimpo a um aventureiro bilionário com ares de superioridade absoluta e que imaginou o Brasil uma terra de ninguém. É verdade que os amigos que embarcaram comigo no balão azul da esperança e da fé não existem mais. A maioria se perdeu pelo caminho, tentando manter a mil a vida no país tropical. Até parece que as coisas boas são de ontem ou de anteontem. Não são.
Tudo ficou velho. Importante é quem veio do estrangeiro para nos mostrar que o certo é o errado. Parafraseando o poeta cearense Belchior, é o fim do termo saudade. Pelo andar da carruagem, tudo indica que o pior ainda está por vir. Tão ou mais assustador do que a baixa umidade e o calor decorrente do aquecimento global, a divisão política, a insegurança ambiental, o negacionismo em relação às chamas que tomaram conta do país e a possibilidade real de a maior cidade brasileira ter um prefeito vinculado ao crime organizado colocam a Terra Brasilis bem próxima do que os visionários chamariam de fogo do inferno.