Curta nossa página


De Datena a Maradona

Arte de tentar ser ídolo entra em cena fora das regras

Publicado

Autor/Imagem:
João Zisman - Foto Reprodução/TV Cultura

Há momentos na história que desafiam a lógica, subvertem as regras e, de quebra, arrancam aplausos de quem está do outro lado. Em 1986, no Estádio Azteca, Maradona criou um dos maiores episódios do futebol: “Las Manos de Dios”. Não foi a jogada mais limpa do mundo, mas ali, com aquele soco disfarçado de cabeçada, ele se consagrou como o anti-herói predileto de milhões. O gol irregular levou a Argentina ao título e aumentou o mito do camisa 10, que ganhou uma aura de divindade capaz de driblar até juiz inglês. Maradona não apenas marcou um gol, ele fez o que milhões de argentinos gostariam de fazer naquele momento: dar um soco na história e sair correndo pro abraço.

Agora, cortemos para um cenário menos glamouroso e muito mais brasileiro: um debate na TV Cultura. Em vez do brilho dos estádios, temos o ringue improvisado dos estúdios. E o protagonista não é um gênio do futebol, mas um veterano do jornalismo maroto e escrachado. Datena, que pode não ser o Maradona da comunicação, resolveu que era hora de abandonar a polidez e, em vez da palavra, usar uma arma mais contundente: a cadeira. A vítima foi o “M de Merda” (ou M de Marcola, para um amigo querido), experimentou o peso de uma indignação que muitos brasileiros conhecem bem, mas poucos têm a oportunidade de manifestar tão diretamente.

Assim como “El Pibe”, Datena ignorou o manual de conduta. Maradona desrespeitou o fair play, mas se tornou o Deus dos argentinos porque fez o que muitos não podiam: ganhou a taça e a vingança contra os ingleses. Datena, com sua “cadeirada de Deus”, protagonizou um lance que não vai entrar na antologia dos grandes debates, mas deixou muita gente pensando: “Ele fez o que eu só sonhei fazer.” Não foi um lance de gênio, mas um soco no estômago de quem se sente cansado das asneiras e agressões que saem da boca de latrina do senhor M (de merda ou de Marcola, tanto faz

E aí, surge a grande questão: será que essa atitude impulsiva vai transformar Datena em uma espécie de herói popular? Vai fazê-lo conquistar os corações — ou pelo menos os votos — dos paulistas? Maradona foi perdoado porque trouxe glória e alívio para um povo sedento de revanche. Mas Datena, o que ele promete além de uma cadeirada catártica? A dúvida que fica é se esse momento de insanidade ao vivo é suficiente para conquistar as urnas ou se vai virar só mais um meme da era dos debates fervorosos.

Maradona entrou para a história porque, apesar de tudo, ganhou. Datena, por enquanto, só venceu na arena dos desabafos. Mas para quem nunca teve a chance de jogar uma cadeira em quem acha que merece, Datena virou, pelo menos por um instante, o porta-voz de uma frustração coletiva. No fim, ele fez o que muita gente gostaria de fazer, mas nunca teve a oportunidade. Agora, resta saber se esse impulso vai garantir uma vaga no pódio da política ou se vai ficar só como mais uma jogada de efeito. Para o eleitor paulista, o apito final está próximo, e dessa vez, a decisão é pessoal.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2024 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.