Velhacos nordestinos
Vírus traz epidemia das bets e condena os pobres à morte por inanição
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emConhecido por todos em todo o mundo, o efeito retardado da Justiça, das forças de segurança e das leis brasileiras não é somente caso de despreparo, de desleixo ou de má vontade dos envolvidos. É falta de respeito com quem paga regularmente seus impostos. Pedindo vênia ao meu lado cristão, mas os que não pagam – e são muitos – que se danem. Os sites e apps vinculados aos jogos eletrônicos, principalmente às bets, desembestaram no país. As autoridades chamadas competentes, incluindo os governantes, sabem quem são os “banqueiros”, onde moram, o tipo de vida que levam e o segmento que exploram.
Sabem, mas nada fazem porque, na melhor das hipóteses, são potencialmente incompetentes. Só as bestas não enxergam o poder paralelo das bets. Os donos não se escondem. Aliás, se mostram além do permitido. Até o Campeonato Brasileiro de Futebol virou Brasileirão Betano. É o meio do caminho para o fim do mundo. Alguns dos caciques das apostas virtuais também são influencers, empresários de fachada e até cantores sertanejos. Como são ricos, são presos, soltos, presos novamente e soltos pela morosa Justiça nacional, mesmo depois da comprovação dos crimes cometidos.
É fato e não fake que, fosse um ladrão de galinha, de iogurte ou de acém com osso para sustento da família, a cana seria duríssima. Se tivéssemos, o fim deles seria a cadeira elétrica ou a prisão perpétua. Foras da lei endinheirados lembram nossos políticos: estão cada vez mais políticos, cada vez mais corruptos e cada vez menos sociáveis, cada vez menos confiáveis. Ninguém diz, mas é cristalino em nossa sociedade que, apesar de crime hediondo, há permissão superior para criação de castas elitizadas e de associações de classe com classe para roubar o pouco que os pobres ainda têm.
Tudo em nome do jogo dos milhões, cifras cujo frete de embarque e desembarque em contas milionárias, via PIX, no Brasil e no exterior o governo e a Justiça fingem desconhecer. Na verdade, não querem saber e têm raiva de quem sabe. Não esquecem, porém, do carro 1976 que vendi e, por razões alheias à minha vontade, deixei de declarar à Receita Federal. Vírus que mata silenciosamente os que o imaginam somente como uma escada para o sucesso, as bets representam a lei do mais forte condenando o mais fraco à inanição. Embora haja promessa de mudança a cada quatro anos, sempre foi assim e assim sempre será. A exemplo das drogas, a jogatina virtual viciou milhões de brasileiros, a maioria de baixa renda. A olhos nus e em tempo recorde, as bets se transformaram em ameaça social.
Associada aos empréstimos e financiamentos fáceis para sustentar o novo vício, há a avalanche de ofertas cabulosas, mentirosas e criminosas contra pessoas mais humildes, consequentemente mais ingênuas. São armadilhas casadas, as quais também sustentam os mercados financeiro, político, de entretenimento e até religiosos. Imagino que por conta do sonho do enriquecimento rápido, boa parte dos beneficiários do Bolsa Família decidiu gastar o que comer no jogo. Uma pena, pois, com a mesma rapidez, o sonhador cai da cama e a grandeza se desfaz junto com toda a ilusão sonhada. Enquanto isso, o Poder Público permanece fechado em copas e os financiadores do jogo nadando em piscinas de ouro.
Permitam-me o cacófato, mas, a respeito dos tubarões da jogatina, o triunfo deu-se. Diante de todo esse descontrole sem regulamentação, novamente me valho do complexo de vira-lata para tentar explicar a ineficiência das autoridades no combate aos poderosos, os quais, comprovadamente, apostam na epidemia das bets para auferir ganhos fáceis e incontroláveis. Como na canção Pecado Capital, de Paulinho da Viola, é cada um tratando de si. Irmão desconhece irmão, embora saiba que, como alguém já falou, além de vendaval, dinheiro na mão é solução, mas também solidão. É esperar para ver. Deolane Bezerra e alguns de seus familiares viram o sol nascer quadrado por duas semanas. O Falcon sertanejo por pouco não canta para uma plateia inusitada, uniformizada e escolhida a dedo. Ou seria à força.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978